Tal como ontem aconteceu, hoje publicamos mais um dos onze textos do 10º A publicados no jornal PÚBLICO. Um por dia...
Do tempo em que havia estações do ano
Máscaras.
Era isso que Kenna via quando entrava na carruagem do
comboio.
Era isso que Kenna via todos os dias quando saía de
casa.
E era isso que a entristecia tanto.
Pois, mesmo sem poder respirar sem elas, as máscaras
impediam que as pessoas se reconhecessem ou que convivessem umas com as outras.
Kenna podia sentar-se à beira da mesma pessoa, durante
anos, que nunca iria saber quem era. Infelizmente, todos os cuidados eram
necessários, pois, com os gases tóxicos espalhados pelo ar, se alguém saísse de
casa sem as proteções necessárias, acabaria morto. Por isso mesmo é que, mesmo
não gostando de utilizar as máscaras, Kenna não se queixava.
Embora as janelas fossem escurecidas, ela conseguia
ver o contraste entre as nuvens pretas de fumo e o branco da neve que teimava
em não derreter. Kenna lembrava-se do seu avô que lhe havia contado como, há
vários anos, existiam “estações do ano” e como, dependendo da época em que
estavam, havia neve ou flores, calor ou folhas. Agora já só existia o frio onde
Kenna vivia.
desenho de Renata Guedes, aluna de 11º ano, Ermesinde |
Com as botas a enterrarem-se na neve a cada passo que
dava, Kenna dirigiu-se para as escadas que ligavam aos túneis subterrâneos.
Estes permitiam que as pessoas se dirigissem aos locais mais importantes da
cidade sem terem de se expor ao ar exterior. O mar de pessoas que se
movimentava sem descanso rapidamente engoliu Kenna. Tendo só 12 anos e,
portanto, sendo ainda baixa, ela conseguia apenas olhar para cima e tentar ver
quando chegara à sua saída. Assim que avistou o sinal por que esperava,
esgueirou-se pelo meio da multidão. Mal conseguiu escapulir-se da massa de
pessoas, Kenna acelerou o passo, dirigindo-se para o portão com um H em azul.
Passando o seu cartão para conseguir atravessar a entrada, um familiar lance de
escadas acolheu-a. Ao subi-lo, Kenna passou por várias salas onde sabia que
estavam mais pessoas do que deviam. Nunca havia espaço suficiente no hospital.
Quando chegou à sala que procurava, bateu à porta e esperou que alguém lhe
respondesse.
– Podes entrar, Kenna.
Abrindo a porta, ela entrou e foi recebida com uma
visão já conhecida: o seu avô sentado na cama com uma foto de papel na sua mão
morena e enrugada.
– Bom dia, avô.
Finalmente tirando a sua máscara, Kenna deixou, à
vista do mundo, os seus olhos cinzentos e pele pálida.
– Como é que foi a viagem até aqui?
Ela rapidamente ocupou a cadeira solitária à beira da
cama.
– Tal como todas as outras vezes…. Será que me podes
contar outra história tua e da avó?
O avô sorriu e as rugas por baixo dos olhos
apareceram.
– Claro que sim, deixa-me ver…. Era primavera, a estação preferida da tua avó, quando saímos para um passeio na praia…
Lara Silva, 10º A
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