Educar para a cidadania ou educar na cidadania? (I)
Não é uma mera questão semântica ou linguística aquela
que a interrogação do título deste texto encerra. Trata-se de uma distinção
concetual e paradigmática que, a montante, irá determinar e enformar as
dinâmicas pedagógicas que nas nossas escolas pretenderão dar corpo à nova
componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento.
Educar para a cidadania, e em cidadania, são
conceitos complexos e polissémicos dos quais é impossível erradicar uma
inevitável contaminação ideológica. Mas é precisamente esta falta de
neutralidade, e sobretudo a forma como a assumirmos, que condicionará o rumo a
dar a esta nova componente do currículo.
Controvérsias à parte, talvez seja útil buscar
alguns consensos. Arrisco o primeiro: educar para a cidadania é um compromisso
de todos os professores, mesmo daqueles que não o assumem como seu. Estes
fazem-no sem saber e, como tal, sem conferir à sua prática uma intencionalidade
pedagogicamente assumida que, sem isentar, pelo menos atenua os riscos
perversos de um adestramento inconsciente. Tudo o que o professor diz e faz
assume um sentido moral, o mesmo acontecendo com os seus silêncios e as suas
omissões, já que qualquer ato educativo é um ato de influência, quer se reconheça
ou não.
Educar para a cidadania numa perspetiva de projeção
num tempo e num espaço que não são o da escola é uma contradição nos próprios
termos e um perigoso descomprometimento da escola enquanto espaço de cidadania
ativa. Ao invés, educar para a cidadania numa escola que se assume ela mesmo como
um espaço onde a cidadania se exerce numa lógica do “aqui e agora” significa
cumprir o direito de cada um dos nossos alunos e alunas a desenvolver o máximo
das suas capacidades, de forma a conseguir participar ativamente na vida
política, económica e social. Uma das tarefas fundamentais da prática educativa
é desenvolver nos educandos a capacidade de emancipação que lhes permita
assumirem-se como seres históricos, sociais, criadores e transformadores, numa
abertura respeitadora e dialogante ao outro e à diferença.
A Escola, muito mais do que um mero lugar de
escolarização, deve ser um espaço de formação humana, o que implica assumir a
construção do sujeito ético como a missão suprema e fulcral da Educação.
Nenhum espaço educativo pode alhear-se de um forte comprometimento com os
valores universais, sob o risco de a atividade educativa se reduzir a mera
atividade técnica. Significa isto que o facto de a educação ser uma atividade
humana lhe confere uma dimensão ética de que não se consegue destrinçar.
O papel da escola não é unicamente oferecer
conteúdos informativos, não é apenas instruir, mas promover o desenvolvimento
do ser humano na complexidade e multidimensionalidade que o caracterizam, o que
nos remete para uma visão pedagógica de cariz holístico que resiste a
perspetivar o aluno apenas na sua dimensão cognitiva, enquanto mero recetáculo
de conhecimentos, procurando promover o desenvolvimento integral de todas e
cada uma das potencialidades humanas: intelectuais, emocionais, sociais,
físicas, artísticas, criativas e espirituais.
Ana Granja
(a continuar na próxima semana)