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sexta-feira, 8 de março de 2024

desafio: "onde estava no 25 de abril (de 1974)?" (10)

Em abril de 1974 frequentava o 7.º ano no Liceu Garcia de Orta [atual 11.º ano]. Quatro anos antes, fruto de uma mudança de casa, esta passara a ser a minha escola e muita coisa tinha mudado. O Garcia era diferente da maior parte das escolas da época. Antes de mais porque era frequentado por rapazes e raparigas e onde lecionavam professores e professoras. Depois porque ali tinham ido parar jovens com vontade de intervir politicamente, apesar dos riscos que corriam.

Da turma que tive a sorte de integrar a partir do 6.º ano, faziam parte ativistas dos movimentos pró associativos (na época, as associações de estudantes eram proibidas), que desenvolviam atividades clandestinas e por isso eram muito vigiados pelos informadores da PIDE que trabalhavam no Liceu. Era frequente vir um funcionário chamar um desses alunos "subversivos ", para ir ao gabinete do Senhor Reitor. Passado pouco tempo o funcionário regressava pedindo para levar a pasta do aluno em causa, de onde, entretanto já tinham sido subtraídos os panfletos destinados a ser distribuídos nesse dia.

Nas aulas de História, quando se estudava a expansão portuguesa, havia sempre alguém mais informado, que aproveitava para abordar a questão colonial e lá ia a filha do diretor da PIDE, que também frequentava a turma, à casa de banho. Passado pouco tempo entrava o Senhor Reitor que se sentava no fundo da sala a assistir à aula.

Estas vivências mostraram-me uma realidade que até então me passava despercebida, apesar de em casa ouvir alguns comentários de descontentamento sobre o regime, era constantemente advertida que tinha que ter muito cuidado com o que dizia e fazia, pois o emprego do meu Pai, a única fonte de rendimento da família, podia estar em perigo caso fosse suspeito de atividades contra o regime.

Talvez fruto desses medos que nos eram incutidos tornou-se comum confiarmos a diários as nossas ansiedades, estados de espírito, desabafos, angústias, descrições de momentos do quotidiano. Em 1974 eu tinha um desses cadernos, que conservo até hoje e de onde transcrevo parte do que  registei no dia 25 de Abril.

"O dia foi agitadíssimo.

Cheguei ao liceu por volta das 9 horas,...

Quando saí do elétrico e olhei para a escadaria fiquei admiradíssima por ver a maior parte dos colegas a vir embora. Qual não foi o meu espanto quando alguns me dizem que o regime politico tinha sido derrubado... não se sabia se tinham sido forças de direita se de esquerda, provavelmente de direita, a esquerda é pouco poderosa. Será o Spínola, o Kaulza?

Todos ficamos primeiro doidos, riamo-nos,  depois meios aparvalhados...  O Reitor que nos aguardava  na entrada do liceu acabou por dar explicações parvas e mandar a malta embora, porque havia algo de anormal em Lisboa... Vim para casa. Tentei ouvir rádio, mas nada, só por volta das 13:00 consegui saber alguma coisa. O governo fascista de Marcelo Caetano tinha sido derrubado...

Com o passar das horas começava a acreditar no que se dizia na rádio... acreditava na liberdade de imprensa, de reunião, de associação, de expressão, acreditava em tudo o que desejo, acreditava na alegria e no júbilo do povo e dos soldados com expressões cansadas.

Acreditava que Portugal ia virar e que os homens iam ser livres e felizes."

Isabel Garção (professora de História, atualmente aposentada)

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