Da turma que tive a sorte de integrar a partir do 6.º ano, faziam parte ativistas dos movimentos pró associativos (na época, as associações de estudantes eram proibidas), que desenvolviam atividades clandestinas e por isso eram muito vigiados pelos informadores da PIDE que trabalhavam no Liceu. Era frequente vir um funcionário chamar um desses alunos "subversivos ", para ir ao gabinete do Senhor Reitor. Passado pouco tempo o funcionário regressava pedindo para levar a pasta do aluno em causa, de onde, entretanto já tinham sido subtraídos os panfletos destinados a ser distribuídos nesse dia.
Nas aulas de História, quando se estudava a expansão portuguesa, havia sempre alguém mais informado, que aproveitava para abordar a questão colonial e lá ia a filha do diretor da PIDE, que também frequentava a turma, à casa de banho. Passado pouco tempo entrava o Senhor Reitor que se sentava no fundo da sala a assistir à aula.
Estas vivências mostraram-me uma
realidade que até então me passava despercebida, apesar de em casa ouvir alguns
comentários de descontentamento sobre o regime, era constantemente advertida que
tinha que ter muito cuidado com o que dizia e fazia, pois o emprego do meu Pai,
a única fonte de rendimento da família, podia estar em perigo caso fosse
suspeito de atividades contra o regime.
Talvez fruto desses medos que nos eram incutidos tornou-se comum confiarmos a diários as nossas ansiedades, estados de espírito, desabafos, angústias, descrições de momentos do quotidiano. Em 1974 eu tinha um desses cadernos, que conservo até hoje e de onde transcrevo parte do que registei no dia 25 de Abril.
"O dia foi agitadíssimo.
Cheguei ao liceu por volta das 9 horas,...
Quando saí do elétrico e olhei
para a escadaria fiquei admiradíssima por ver a maior parte dos colegas a vir
embora. Qual não foi o meu espanto quando alguns me dizem que o regime politico
tinha sido derrubado... não se sabia se tinham sido forças de direita se de
esquerda, provavelmente de direita, a esquerda é pouco poderosa. Será o
Spínola, o Kaulza?
Com o passar das horas começava a acreditar no que se dizia na rádio... acreditava na liberdade de imprensa, de reunião, de associação, de expressão, acreditava em tudo o que desejo, acreditava na alegria e no júbilo do povo e dos soldados com expressões cansadas.
Acreditava que Portugal ia virar e que os homens iam ser livres e felizes."
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