Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

texto de opinião: uma reflexão de António Galopim de Carvalho

Galopim de Carvalho (Créditos: Jerónimo Heitor Coelho)














"No ano que findou, a luta dos professores, numa determinação e intensidade nunca vistas, trouxe ao de cima a degradação a que chegou este grande pilar de qualquer sociedade democrática e a incapacidade de lhe dar resposta.

A quatro meses de festejarmos 50 anos sobre a conquita da liberdade – Glória aos Capitães de Abril! – ocorre-me lembrar, aos que andam esquecidos, que estes militares, terminada a sua acção, entregaram, generosa e honradamente os nossos destinos nas mãos de uma classe política que se esqueceu ou não soube facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade que aceitou governar.

Volto a afirmar que, entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia, está a educação. E, aqui, a escola falhou completamente. Se não mudarmos grande número dos paradigmas que têm sido os nossos, não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram.

A iliteracia cultural e científica, mesmo aos níveis mais básicos, de uma grande parcela da nossa população é a prova provada desse falhanço. Parcela importante, a quem a Escola deu diplomas, mas não deu a educação, a formação e a preparação essenciais a uma cidadania plena. Educação, formação e preparação, três grandes défices que o Dr. António Costa, em começos do seu mandato, em 2015, como Primeiro-Ministro, disse serem sua grande preocupação.

Disse, mas nada fez para o concretizar, no essencial.

É verdade que se avançou, como nunca, no parque escolar. É verdade que o ensino escolar gratuito e obrigatório atingiu o 12.º ano (antes era o 4.º), mas, com as sempre honrosas excepções, os nossos jovens saem da escola marcados por uma iliteracia científica e cultural confrangedora.

Pergunto muitas vezes que infelicidade caiu sobre uma significativa parcela do nosso povo, que rejeita, com o sorriso da ingenuidade ou da iliteracia, tudo o que convide a pensar, a reflectir sobre si mesmo e sobre o que o rodeia. Um mundo, tantas vezes, nas mãos de políticos incompetentes e oportunistas de que a nossa sociedade está cheia, onde, de há muito, impera a corrupção, o vírus do futebol profissional e a promiscuidade entre a política, o poder económico e a justiça.

Uma parcela que bebe toda a alienação que lhe é servida de bandeja por uma comunicação social, em grande parte, prisioneira de interesses ligados ao grande capital.

Ocorre-me dizer que levamos quase cinco décadas, em que o “gosto pelo saber” foi institucionalmente substituído pela preocupação com o “sucesso escolar”, visando as estatísticas. Claro que há muitos bons Professores que contrariam esta política, mas a generalidade do sistema que governa este importantíssimo sector da vida nacional, mais do que ensinar, promove a amestragem dos alunos a acertarem nas questões que lhes são colocadas nos exames finais. Neste quadro decepcionante todos perdemos. Perdem os professores, amarrados que estão a directrizes que não controlam, perdem os alunos e, em consequência, perdemos todos e perde Portugal.

Postas esta considerações prévias, voltemos à luta dos Professores.

Devo começar por dizer que tive pena do Ministro da Educação e do seu apagado Secretário de Estado, ao vê-los vaiados por multidões de manifestantes. Acompanho o seu desconforto no papel de escudo do seu próprio governo face à pressão reivindicativa de professores, pais e alunos. É por demais evidente que o Dr. João Costa ia para a mesa das negociações com os representantes dos professores, bem ciente das “linhas vermelhas” que não podia ultrapassar ou, melhor dizendo, que o ministro da Finanças lhe impunha. Mas o que me vem à ideia, é que ele as aceitou, porque, caso contrário, teria “batido com a porta”. Vemo-lo agora colado ao novo secretário geral do PS, cujas ideias, face a este sector da sociedade, desconhecemos.

A esperança é sempre a última a morrer. O edifício da Educação precisa de ser demolido de raiz para, em seu lugar, esperemos que surja um outro, levado a cabo NUMA PROFÍCUA COLABORAÇÃO ENTRE GOVERNOS E OPOSIÇÕES, para durar três ou mais legislaturas e que envolva gente verdadeiramente capaz de o concretizar, visando com especial atenção:

– a escolha criteriosa dos titulares da respectiva pasta;

– a completa revolução na respectiva máquina ministerial;

– as dotações orçamentais adequadas;

– a formação e a avaliação (a sério) dos professores;

– os programas e os manuais de ensino;

– a libertação de todas as tarefas que não sejam as de ensinar e outras, postas em evidência nas suas reivindicações.

– a necessária dignificação dos professores, num conjunto de acções, envolvendo salários compatíveis com a sua relevância na sociedade.

A terminar, saúdo os professores (sem esquecer os educadores) das nossas escolas e reafirmo que os considero os pilares da sociedade e, uma vez mais, dizer a governantes e governados que é necessário e urgente restituir-lhes a atenção, o respeito e a dignidade a que têm jus." António Galopim de Carvalho

Sem comentários: