A partir dos cinco ou seis anos, as crianças podem receber uma mesada educativa, para aprenderem a gastar e a poupar, evitando dissabores maiores na vida adulta. Pais devem dar responsabilidade e orientar, deixando margem para os mais pequenos desenvolverem competências.
Os ensinamentos devem começar desde o berço e ter em atenção um conjunto de
orientações. Dos zero aos dois anos, explica Cristina Judas, é comum os pais
ensinarem as crianças, até de forma intuitiva, a lidar com as emoções. E “lidar
com o dinheiro é lidar com as emoções, porque 95% das nossas decisões são
emocionais e só 5% são racionais”, sublinha, apontando os estudos de James
Heckman, laureado com o prémio Nobel da Economia, sobre Economia
Comportamental. É, pois, importante “ensinarmos desde muito cedo as nossas
crianças a terem inteligência emocional e a lidarem com as emoções”, pois são
as emoções que “geram comportamentos”.
A partir dos dois anos, os pais podem dar uma “mesada simbólica”, sem
periodicidade ou valor definida, como o troco do pão, por exemplo, para os mais
pequenos terem contacto com o dinheiro. Depois, a partir dos cinco ou seis
anos, podem passar para uma “mesada educativa”, com um conjunto de regras que
têm de ser acordadas e implementadas: deve ser um compromisso claro, com
objetivos e orientação, responsabilidade de compra, definição da periodicidade
e do valor.
Como as crianças ainda não têm maturidade para compreender o conceito de tempo, esta mesada educativa deve ter uma periodicidade semanal, recomenda a educadora financeira infantil. O valor pode ser dividido. Uma parte vai para a carteira e destina-se aos gastos diários, como uma bola, cromos ou gelados. Outra parte deve ser poupada, num “cofre do tesouro”, que mais tarde é explorado, e serve para fundos de emergência ou investimentos.
Não basta passar as moedas para as mãos dos mais pequenos, é preciso que os
pais façam um acompanhamento. Devem ter um “papel facilitador e de orientador e
não de controlo”, evitando aquele tipo de situações, mais ou menos comuns, em
que se dá o dinheiro mas a criança só pode gastar no que os pais disserem. “Não
pode ser assim. Se não dermos autonomia e capacidade de decisão aos nossos
filhos, pura e simplesmente eles são paus mandados” e não aprendem pela
tentativa e erro, algo que pode evitar dissabores maiores na vida adulta,
defende Cristina Judas.
“A melhor altura para falir é quando somos crianças, porque as consequências são nulas”, diz, a brincar, a educadora. “Se isto acontecer antecipadamente, eles próprios aprendem o que é que fizeram de errado nas suas decisões.” O lidar com o dinheiro, alerta ainda a educadora financeira infantil, não é só poupar. Também é preciso ensinar a gastar. “Se não aprenderem a gastar, não vai ser através da poupança que eles vão conseguir aprender a gerir o dinheiro. Se só estimularmos para as crianças pouparem, o que vai acontecer, na maior parte das vezes, é o efeito contrário. Quando abrirem o cofre, vão querer gastar, porque não lhes foi incutido qual era o objetivo.”
O valor a atribuir a esta mesada educativa depende de cada orçamento
familiar, pois não é o valor em si que é o mais relevante, é o processo. Mas,
atenção, a partir do momento em que se combina com uma criança que se vai dar
uma mesada, os pais têm de contar com essa despesa fixa e não podem falhar.
Chegar ao dia de pagar e não dar “cria uma falha de confiança”.
Responsabilidade de compra
Quando se dá a mesada, devem atribuir-se “responsabilidades de compra”,
assinala Cristina Judas. “Por exemplo, dá-se uma mesada repartida quatro vezes
ao mês e o filho é responsável por comprar o bolo ao fim de semana, os cromos,
um lápis, ou seja, desejos e não necessidades”, pois estas últimas devem ser
supridas pelos pais. Assim, perceberão sozinhos que o dinheiro não chega para
tudo e que têm de fazer escolhas, aprendendo com a sua própria experiência.
Um erro comum dos pais, indica a especialista, é a criança “pressionar” para comprar o que quer, mesmo que o dinheiro que tem não chegue, e os pais darem o valor em falta, para não a verem sofrer ou frustrar. “Mas isto faz com que o sentimento de conquista e realização seja diferente e não se dá o mesmo valor. Eles têm mesmo de lidar com a frustração.” Gera polémica, mas outra questão que a especialista, fundadora da Hey!Money®, advoga, é que “o dinheiro da mesada não deve ser associado a tarefas domésticas, a notas de escola ou a leituras de livros”. Isto dá aos filhos a oportunidade de recusarem realizar determinadas tarefas, metendo-se o dinheiro “ao barulho” para resolver questões comportamentais. Devem perceber que “na vida em sociedade, na relação familiar, na boa convivência, existem muitas tarefas que temos de fazer” sem esperar receber retribuição financeira.
A exposição ao supermercado, onde o apelo ao consumo é massivo, pode ser
uma oportunidade de ensinar as crianças a “adquirir produtos com objetivo
específico e adequado à nossa carteira”, exemplifica a jurista da DECO,
sublinhando que, se os mais pequenos forem educados pelos bons exemplos, ficam
“munidos de armas” para o futuro.
O hábito de dar mesada não está enraizado na população portuguesa. Segundo um inquérito da associação em 2022, “apenas cerca de 35% dos jovens disseram receber semanada ou mesada”, o que mostra que não há hábitos de gestão e que esta ferramenta, que pode ajudar as crianças e jovens a tomarem decisões relativas ao dinheiro, é pouco usada.
Segundo Carla Dourado, “um jovem que é confrontado com o primeiro salário, não sabe que tem que alocar, por exemplo, 10% do que ganha para uma poupança ou pagamento de IRS, ou reservar parte para pagamento de despesas fixas e só o restante para despesas variáveis”. Para muitos, acaba por ser “chapa ganha, chapa gasta”, destaca a jurista, revelando que à associação chegam muitos casos de adultos que se deixaram “armadilhar pelo consumo e pelo crédito”, enredando-se numa “teia” da qual não conseguem sair. Estas situações são “muito fruto da falta de literacia financeira”, pelo que a DECO defende que a matéria deve fazer parte do programa escolar, ajudando a romper com círculos viciosos. Fonte: DN
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