A saúde mental na terceira idade exige cuidados: no caso de Manuela Moutoso*, de 68 anos, a reforma foi um “choque”. De repente, ficou sem nada para fazer. Já Lia Fernandes**, professora catedrática na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, fala da importância de criar estruturas sociais e culturais para os mais velhos e de melhorar o acesso aos cuidados de saúde. Oiça aqui o mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?” sobre o envelhecimento e a saúde mental.
*Manuela Moutoso integra a 55+, uma plataforma que cria oportunidades de trabalho para pessoas com mais de 55 anos que estão desempregadas ou reformadas foto de José Fernandes |
A reforma foi, para Manuela Moutoso, 68 anos e residente na Costa da Caparica, em Almada, um "choque". De repente, não tinha qualquer atividade com que ocupar os seus dias. “Trabalhava como assistente executiva numa consultora. Tinha uma vida extremamente ativa. Quando me reformei foi um choque.” Como não tinha a “obrigação profissional” de sair de casa, começou a fazê-lo cada vez menos e a isolar-se. “Para tentar contrariar isso, vestia-me e saía de casa. Chegava ao carro e pensava: ‘Mas onde é que eu vou?’". Com os filhos e os amigos ocupados durante o dia, a trabalhar, Manuela Moutoso não tinha para onde ir nem com quem.
"Cheguei a ir muitas vezes ao supermercado, não porque precisava de comprar alguma coisa, mas para poder trocar duas ou três palavras com alguém. Sentia-me extremamente sozinha e a dada altura já não tinha vontade de fazer nada. Sabia que, se continuasse naquele registo, mais cedo ou mais tarde iria ficar doente", conta, em entrevista ao mais episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, que tem como tema o envelhecimento e a saúde mental.
Lia Fernandes, professora catedrática na
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e psiquiatra no Centro
Hospitalar Universitário de São João explica que, para algumas pessoas, a
entrada na reforma é acompanhada de um sentimento de "perda de identidade".
É “necessário”,
por isso, preparar esta fase, para não haver um "corte radical" com
as atividades e rotinas anteriores. "Tem de haver estruturas na sociedade
para dar resposta a estas situações, como universidades seniores, centros de
dia e instituições dedicadas à ocupação dos tempos livres dos idosos."
Investigadora no CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, no Porto, e presidente do colégio da Competência de Geriatria da Ordem dos Médicos, Lia Fernandes chama a atenção para as dificuldades financeiras em que vivem muitas destas pessoas. "Há dias, tive um casal na minha consulta que alterna entre si a compra de medicação. O marido toma os medicamentos num mês e ela toma no outro, porque não têm dinheiro para comprar medicamentos todos os meses".
Convidada igualmente a participar no podcast “Que Voz é Esta?”, a psiquiatra sublinha ainda que é necessário "melhorar a acessibilidade aos cuidados de saúde". "Quem vive no interior do país muitas vezes não tem acesso aos cuidados de saúde e a medicação. As pessoas sofrem horrores com dores crónicas que seriam facilmente colmatadas com um simples analgésico."
"Quem vive no interior do país muitas vezes não tem acesso aos cuidados de saúde e a medicação. As pessoas sofrem horrores com dores crónicas que seriam facilmente colmatadas com um simples analgésico."
Depois de vários meses fechada em casa, sem vontade de fazer o que quer que seja, Manuela Moutoso decidiu procurar uma nova atividade. Inscreveu-se na 55+, uma plataforma que cria oportunidades de trabalho para pessoas que têm mais de 55 anos e que ficam numa situação de inatividade pelo desemprego ou pela reforma. Trabalha atualmente num escritório de uma advogada, em Lisboa. Voltou a ter rotinas e, com isso, regressou a vontade de praticar atividades que antes lhe davam prazer e experimentar outras. "A 55+ salvou-me a vida.”
O número de pessoas com mais de 65 anos tem vindo a aumentar em Portugal, representando atualmente cerca de 25% da população, segundo dados divulgados pela Pordata no ano passado. Ao mesmo tempo, há cada vez mais pessoas a atingir os 100 anos. Em 2022, viviam em Portugal quase três mil centenários, o que significa que esta população aumentou 77% na última década.
São boas notícias, mas é importante perceber como é que se envelhece e em que condições vivem as pessoas mais velhas. Quais são os principais desafios ou dificuldades que enfrentam do ponto de vista psicológico? De que preconceitos continuam a ser alvo estas pessoas e de que modo é que isso afeta a sua saúde mental e qualidade de vida? Estes foram alguns dos temas abordados no mais recente episódio do podcast do Expresso sobre saúde mental.
“Que voz é esta?” é o nome do podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento dão voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, ouvindo igualmente os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, fala-se de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental. Fonte: Expresso
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