A comunidade científica e a indústria farmacêutica acreditavam que a meio de 2022 as vacinas mais inovadoras contra a covid-19, chamadas de 2.ª geração, estariam no mercado e a comunidade poderia respirar de alívio. Se assim fosse, seria mais um recorde para a ciência, mas o grau elevado de transmissibilidade das sublinhagens da nova variante complicou o objetivo. O médico imunologista que integra a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 da Direção-Geral da Saúde explica ao DN o porquê.
O médico imunologista e investigador do iMM salienta que o que correu menos bem nesta pandemia foi a desigualdade no acesso às vacinas.
© Reinaldo Rodrigues, Global Imagens
Em setembro de 2021, e quase nove meses depois do início do processo de vacinação contra a covid-19, pelo menos na Europa, apareceu uma nova esperança: as vacinas de 2.ª geração, que já estavam em ensaios de fase III, a última fase, para em seguida serem apresentadas às autoridades do medicamento internacionais. No final do ano, e conforme foi noticiado na altura, a Agência Europeia do Medicamento (EMA, sigla inglesa) já teria três vacinas em apreciação, mas o aparecimento de uma nova variante na África do Sul, mais transmissível que a Delta, veio "complicar" os estudos em curso. A meta de obter vacinas contra a transmissão da covid-19 parece estar agora mais longe, bem como a da imunidade de grupo. Em entrevista ao DN, o médico imunologista, investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM) João Lobo Antunes e um dos especialistas que integra a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 da DGS, Luís Graça, assume que o importante agora é seguir a estratégia da vacinação primária e a dos reforços, para evitarmos consequências graves, como internamentos e óbitos.
No final do ano passado muito se falou nas vacinas de 2.ª geração contra a covid-19 , antevendo-se que estas poderiam estar no mercado a meio de 2022. Estas eram uma nova esperança na luta contra a doença, pois incidiriam na prevenção da transmissão, mas até agora nada mais se soube. O que aconteceu?
Desde o momento em que se começou a falar das vacinas de nova geração até agora houve algo que mudou: surgiu uma nova variante, identificada na África do Sul em dezembro de 2021, com uma grande capacidade de transmissibilidade, que é a Ómicron, e que já tem várias sublinhagens (BA.1, BA.2, BA.3, BA.4 e BA.5). A BA.2 tornou-se dominante em pouco tempo, sobrepondo-se à BA.1, e neste momento a BA.5 já se sobrepôs à BA.2. A BA.4 também é muito transmissível, mas está a ter impacto em outros países. Mas todas estas variantes vieram mostrar que continua a existir uma evolução contínua do vírus SARS-CoV-2 com grande impacto a nível da transmissibilidade, mostrando ser muito complicado as vacinas terem neste momento um impacto muito significativo na prevenção da infeção.
Quer dizer que o desenvolvimento parou por causa da nova variante?
Tenho de salientar que o desenvolvimento destas vacinas não foi travado. O desenvolvimento continua. Este processo apenas não está a ser tão rápido quanto se antecipava no final de 2021. Neste momento existem vacinas que estão a ser avaliadas pela EMA e, havendo resultados positivos, é possível que sejam disponibilizadas no futuro. Mas o que era possível alcançar com as variantes iniciais do SARS-CoV-2, como a Alpha, em que as vacinas tinham um impacto muito significativo a evitar a transmissão e a infeção, passou a ser mais difícil com a Delta, em que houve uma diminuição dessa efetividade, e especialmente com a Ómicron. Com efeito, a capacidade das vacinas para prevenir a transmissão e a infeção em relação a esta última variante é muito reduzida. Por isso, neste momento, o grande objetivo das campanhas de vacinação a nível mundial passou a ser, sobretudo, o de evitar a doença grave e a morte, e não tanto o evitar a transmissão e a infeção.
Diz que a investigação não foi travada, mas não há ideia de quando é que estas vacinas de 2.ª geração poderão chegar ao mercado?
Não consigo antecipar essa data. Não acompanho o processo de decisão da EMA. Por aquilo que se pode saber através da informação pública, é que já deu entrada na agência o processo de revisão de algumas dessas vacinas.
Falou da estratégia para a vacinação. A própria Organização Mundial da Saúde defendeu, em janeiro, ser necessário uma nova geração de vacinas que prevenisse a transmissão da doença, por considerar que a estratégia de reforços repetidos tem poucas hipóteses de ser viável. Mas já é certo que esta estratégia vai ter de ficar por mais tempo?
Como disse, a estratégia atual para a utilização das vacinas, face às características das variantes em circulação, é evitar a doença grave e as mortes. É uma estratégia um pouco semelhante à usada nas vacinas contra a gripe. Estas também não têm uma efetividade extraordinariamente elevada no evitar a transmissão da doença na comunidade, mas a sua utilização, sobretudo nos grupos de população mais vulneráveis, pela idade ou por terem outras doenças, é muito eficaz no desenvolvimento de doença grave ou de morte. Podemos antecipar que a estratégia de vacinação atual e futura contra a covid-19 continue a incidir na redução do impacto da infeção na doença grave e na morte.~
Mesmo havendo 92,1% da população residente em Portugal com o esquema de vacinação primário e mais de 60% com as doses de reforço não se atingirá a imunidade de grupo tão desejável?
No contexto atual, com as variantes que existem, é irrealista pensar-se que isso será possível de alcançar para breve. @ DN
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