“Não está autorizada a saída de alunas das instalações do
Liceu.”
Estas eram as palavras ouvidas na
aula de 6.º ano (equivalente ao 10.º ano atual), de Organização Política e Administrativa da Nação a que eu assistia, por
volta das dez da manhã do dia 25 de abril de 1974.
Entretanto, a professora, pessoa
jovem, simpática e desempoeirada, conversava alegremente com uma colega, com
quem parara à entrada da sala, sobre o que se estaria a passar na capital. E
nós, dentro da sala, olhávamos umas para as outras, sem perceber grande coisa
sobre a agitação que se instalara num liceu tão pacato como o Carolina
Michaëlis.
Lembro-me de ouvir perguntas: “Mas é de esquerda ou de direita?” ou “Chaimites? No Carmo?”. Nada a que eu
soubesse responder porque de esquerda ou direita só conhecia as mãos e os lados
para onde me virava nas aulas de ginástica.
Tinha visto já, isso sim, umas alunas com as batas de sete botões1, no recreio, atirar uns papéis ao ar, e rapidamente desaparecer no meio da confusão provocada, quer pelas outras colegas que tentavam apanhar os fliers2, quer pelas funcionárias que, diligentemente e com os rostos carregados, os tentavam recolher das mãos curiosas das incautas meninas do Carolina. Eram “as Medinas”, de certeza, conhecidas pelo seu ótimo desempenho como estudantes e como agitadoras. E sobrinhas de uma professora de Física e Química, também ela conhecida por não seguir muito as “regras do decoro”.
Afinal, os pais tinham feito pressão sobre a reitora, e as meninas podiam sair da escola e ir para casa.
Muitos automóveis à porta do liceu, rostos risonhos, rostos preocupados, rostos carrancudos. Muitos rostos que passamos a olhar de frente, com os quais rimos e cantámos, nos enfurecemos e gritámos, enfim… vivemos.
1. No Carolina Michaëlis, à época, reconhecia-se o ano que as alunas frequentavam pelo número de botões que eram cosidos na parte da frente do cinto da bata, indumentária obrigatória para entrar no liceu. No meu caso, em abril de 1974, tinha 6 botões, equivalentes ao sexto ano (atual 10.º ano).
2. Fliers – pequenos panfletos (no caso com propaganda antirregime).
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