Docentes que estiveram de licença ou de baixa por gravidez de risco não podem usufruir dos novos escalões para docentes contratados e ter atualizações salariais. Sindicato diz ser ilegal e inconstitucional.
Na semana que passou, as escolas procederam à validação dos pedidos de subida de escalão para os professores contratados. Uma medida anunciada em 2022, após a Comissão Europeia (CE) ter aberto um procedimento contra Portugal alegando que a discriminação dos professores contratados violava a legislação comunitária. Isto porque os docentes sem vínculo tinham sempre o mesmo vencimento, não sendo contabilizado o tempo de serviço prestado, levando professores com mais de uma década de ensino a receber o mesmo que um jovem docente sem experiência. Cumpriu-se assim uma decisão esperada desde o início do ano letivo, em setembro de 2023.
Contudo, nem todos conseguiram ter acesso às atualizações salariais, que dependem de vários critérios. Os professores contratados devem ter quatro anos de serviço para subirem para o 2.º escalão e oito para o seguinte, 50 horas de formação, aulas assistidas (para o 3.º escalão apenas) e avaliação de desempenho com a menção mínima de Bom obtida nos dois últimos anos letivos. É este último requisito que impede algumas docentes de subirem de índice, pois, tendo estado com baixa por gravidez de risco ou licença de maternidade, não foram avaliadas (são necessários 180 dias de trabalho por ano letivo).
Rachel Franco, professora de Educação Visual, viu o seu pedido de
posicionamento remuneratório invalidado na passada sexta-feira e foi apanhada
de surpresa. A docente teve uma gravidez de risco no ano letivo de 2021/2022,
aos 42 anos, e após uma década de tentativas com recurso a tratamento de
fertilidade. “Fiquei de baixa em setembro e a minha filha nasceu em maio.
Fiquei, por isso, de licença de maternidade até ao final do ano letivo. Fiz,
então, o que a lei prevê, que é pedir para que a avaliação do ano anterior
transite, e o pedido foi validado pela direção da escola onde estava colocada”,
recorda ao Diário de Notícias. Essa transição de avaliação de um ano para o
outro por motivos não imputáveis aos docentes está consagrada no Estatuto da
Carreira Docente (ECD), nos números 6 e 7 do artigo 40, que o DN consultou.
Contudo, o Ministério da Educação (ME) decidiu que o requisito da avaliação de
desempenho, com a menção mínima de Bom, obtida nos dois últimos anos escolares,
não podia ser cumprido ao abrigo do referido artigo, num documento enviado pela
Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) às escolas. “É com base nesse
documento que as escolas estão a invalidar os processos. Liguei para a DGAE e
questionei a decisão por escrito, mas não me responderam. Ser impedida de subir
de escalão por motivo de maternidade é revoltante. Nenhum colega homem vai
passar por isto. O Código do Trabalho diz que a mulher grávida nunca pode ser
prejudicada, mas é isso que se está a passar. E somos muitas nesta situação. É uma
discriminação inqualificável”, afirma Rachel Franco. A professora expôs o caso
à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), que emitiu um
parecer favorável. “Com esse parecer recorri da decisão, em outubro, mas até
hoje não tive resposta”, conclui.
Uma outra professora, que não quer ser identificada por temer represálias,
quis partilhar a sua história para, conta, “expor as fragilidades que ainda se
passam no nosso país a nível de desigualdade de género”. O caso da docente
refere-se ao período probatório após vinculação. Para serem dispensados do
mesmo, os professores devem cumprir vários requisitos, sendo um deles terem
avaliação mínima de Bom nos últimos cinco anos letivos. A docente, mãe de dois
filhos, um de três e outro de um ano, também viu recusada a dispensa por falta
de avaliação em dois anos. “Não tinha os cinco anos, mas a lei prevê podermos
usar a avaliação do ano anterior. Fiquei em choque quando saiu a lista do
probatório e não estava nas dispensadas. É muito grave esta discriminação. Muito
grave mesmo”, desabafa.
Os docentes precisam de ter cumprido seis meses de trabalho efetivo para
poderem ser avaliados, o que deixa assim de fora dos aumentos salariais todas
as docentes contratadas que estiveram de licença de maternidade ou gravidez de
risco nos anos letivos de 2021/2022 e 2022/2023.
“A lei não pode ser cega”
Para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de
Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), “a lei não pode ser cega e não se
pode prejudicar nem penalizar apenas um grupo de pessoas do género feminino.
Trata-se de invalidações por motivos que não são imputáveis às professoras e
devia haver exceção. Aqui, quem é penalizado é o género feminino, o que cria
grandes injustiças e vai ocasionar revolta junto dos professores que temos de
acarinhar, que são os contratados”, sublinha. O responsável salienta a “medida
positiva” de subida de escalão para professores contratados, mas lamenta que
esta situação possa criar “desilusão e injustiça” quando as professoras
perceberem que não terão atualizações salariais. E pede ao ME para que a
situação seja “ponderada, por se tratar de um direito. Compete a quem aplica a
lei que não crie problemas a algo que foi criado de forma positiva e justa”,
vinca.
Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, diz ser esta “uma
situação ilegal e de discriminação, até entre docentes contratados e os de
quadro. Trata-se de não ter avaliação por uma situação constitucionalmente
protegida. Isto tem de ser resolvido já. As professoras têm proteção legal e o
ME ou avalia o pouco tempo em que trabalharam ou tem de dispensar de avaliação,
porque estamos a falar de casos em que está em causa um direito
constitucional”, afirma. O sindicalista considera a situação “grave” e sem sustentação
do ponto de vista jurídico. “É ilegal e inconstitucional. A legislação para a
proteção na maternidade é diferente de qualquer outro tipo de legislação.
Gravidez de risco ou licença de maternidade não podem impedir o posicionamento
remuneratório. São situações protegidas por lei e o ME vai ter de resolver esta
questão.” Mário Nogueira garante que a FENPROF recorrerá a queixas na CITE,
tribunais e provedoria.
O DN contactou o ME pedindo esclarecimentos, mas até à hora do fecho desta edição não obteve resposta. Fonte: DN
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