O “consumo descontrolado” da oferta digital, internet e redes sociais contribui para um estado de alienação social, desenvolvendo um padrão de comportamento cujas relações online se constituem como a zona de conforto. São estas algumas das conclusões de um estudo divulgado esta semana.
«Como a
vida na internet e nas redes sociais está em constante movimento, alimenta-se
uma necessidade de acompanhar ao máximo o fluir dessa vida, resultando em
momentos de prazer e de descontrolo no tempo de utilização», refere o projeto
de investigação “Scroll, Logo Existo”, financiado pela Fundação para a Ciência
e Tecnologia em parceria com o Instituto para os Comportamentos Aditivos e as
Dependências.
O estudo
«não dá um resultado de um alarme geral sobre a utilização dos ecrãs», mas
aponta um conjunto de características que são transversais a todas as idades,
situações profissionais e a todos os níveis de habilitações escolares, referiu
Joaquim Fialho, coordenador do projeto, à agência Lusa.
Em
primeiro lugar, o investigador apontou «uma necessidade de estar nos ecrãs como
fonte de prazer, sobretudo, os ecrãs do smartphone, que são o principal elo de
ligação digital». Outras características identificadas são «a perda de
noção do tempo nos ecrãs», «a irritabilidade», causada pela ausência dos ecrãs
ou pela redução do tempo de utilização, e a utilização «dos ecrãs como fuga»,
para aliviar sentimentos de culpa, ansiedade ou depressão.
«Apesar de
não haver um problema generalizado de dependência de ecrãs na população
portuguesa», o investigador disse que há fatores que podem gerar maior
dependência, como a idade. «Quanto mais baixa é a idade, mais baixa é a
escolaridade, e se cruzarmos estes dois atributos, os estudantes e a população
inativa são aqueles que estão numa situação de maior exposição ao risco de
dependência de ecrãs», salientou.
Segundo o
investigador, foi identificado também um conjunto de elementos na dependência
dos ecrãs, como a nomofobia, sentimento de falta quando o telemóvel não está
junto da pessoa, e a «síndrome do toque fantasma», que é a sensação constante
de sentir o telemóvel a vibrar no bolso, que não é real.
Também foi
detetado «o transtorno de dependência de Internet», que é a necessidade
compulsiva de estar online, particularmente nas redes sociais, «como obtenção
de prazer», para atenuar sentimentos de frustração, ansiedade.
Outro
elemento identificado foi “a depressão Facebook”: «Observámos que a ausência de
redes sociais junto dos utilizadores, sobretudo dos mais jovens, que não têm
ocupação, gera sentimentos de frustração e ansiedade por não conseguirem
acompanhar o conteúdo que está a circular online».
Os
investigadores também identificaram junto dos entrevistados “a hipocondria
digital”, que é procurar informação sobre uma doença na Internet que «muitas
vezes é contraditória e coloca as pessoas perante uma situação de desespero».
Com base
nos resultados, os investigadores sugerem um conjunto de medidas, nomeadamente
a intervenção em contexto escolar, «que são os mais vulneráveis», na comunidade
em geral e em contexto laboral.
No
contexto laboral, disse Joaquim Fialho, há «uma barreira muito difícil de
distinguir», nomeadamente quando termina a utilização para fins profissionais e
quando começa a utilização lúdica, «porque muitas das vezes não há esse
desligar».
Por fim,
uma intervenção mais transversal junto da população, sobretudo, dos que estão
fora do mercado de trabalho. «Há um conjunto de pistas para a ação que temos
no plano e que nos parecem que podem funcionar como atenuante deste processo,
porque aquilo que verificamos é que há um acesso generalizado aos ecossistemas
digitais, mas não há um aumento das competências digitais que permitam de certa
forma capacitar as pessoas para a oferta do ponto de vista digital», rematou.
O investigador salientou que «o desafio não está na privação do uso digital (…) em contexto escolar, nem em contexto laboral, mas sim na capacitação das pessoas para uma utilização saudável». «Sabemos que proibir não é o melhor caminho, o melhor caminho passa por um trabalho de literacia para a utilização dos ecrãs», defendeu Joaquim Fialho. Fonte: Sapo