Ciência, Educação e Conhecimento é o tema a debate no ciclo "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa.
A iniciativa com a presença de António Sampaio da Nóvoa, decorre online, via Zoom, hoje a partir da 18.00. António Sampaio da Nóvoa, doutor em Educação e em História, foi Embaixador de Portugal na UNESCO, de 2018-2021, presidente da sessão da Conferência Geral da UNESCO e é, atualmente, titular de uma Cátedra UNESCO sobre os futuros da educação. Conferencista detalha algumas das reflexões que leva ao encontro.
Propõe-se abrir a sua participação na conferência "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", referindo-se às "identidades assassinas", numa alusão ao livro do escritor e ensaísta libanês Amin Maalouf. A obra é um manifesto contra a loucura da morte em nome daquilo que se designa identidade. Como faz a ponte entre estas identidades e o tema que o leva à conferência, "Ciência, Educação e Conhecimento"?
George Steiner tem páginas luminosas sobre a música como linguagem fundamental para unir a humanidade. Maria Bethânia disse-o à sua maneira: "A música é a língua materna dos deuses." Depois da música, a ciência é a outra linguagem fundamental para tentarmos viver em paz com a Terra e em paz com os Outros. Num mundo fragmentado, alimentado por negacionismos de todos os tipos, por narrativas delirantes reforçadas por documentos e imagens que parecem "credíveis", resta-nos a ciência como linguagem comum. Se a perdermos, ficaremos à mercê dessas "identidades assassinas" de que nos fala Amin Maalouf. A ciência é a nossa "última razão", talvez mesmo a última possibilidade para uma conversa humana. Sem esquecer que "conversar" significa dar voltas ao pensamento, às ideias, na companhia dos outros.
Reimagining our Futures Together é o terceiro relatório da UNESCO, datado de 2021, dedicado ao futuro da educação. Na abertura do documento é salientada a necessidade de "um novo contrato social para a educação que possa reparar as injustiças enquanto transforma o futuro". A que injustiças alude o documento e que propostas apresenta para as reparar?
Estamos a viver a maior transformação de que há memória na história da educação. O contrato social celebrado no século XIX tinha dois grandes pilares: a obrigatoriedade escolar para a infância e um modelo escolar normalizado em torno da sala de aula. A escola pública tornou-se uma instituição central, talvez mesmo, como escreve Darcy Ribeiro, "a maior invenção do mundo". Este contrato cumpriu o seu papel, mas já não é suficiente. A educação tem de se renovar, valorizando a relação entre gerações e novos ambientes educativos. Trata-se de pensar a educação para além da escola, em todas as idades, tempos e lugares. No espaço público da cidade. E, na escola, construir ambientes para todos e onde todos aprendam. Só assim poderemos reparar exclusões e injustiças do passado. Para ser transformadora, a escola tem ela própria de se transformar.
Num tempo de desinformação e retrocesso em matéria de confiança na ciência, os currículos escolares estão à altura de promover o compromisso de defender a verdade?
É inquestionável a importância da ciência e da educação científica. Os alunos devem adquirir conhecimentos, mas também compreender o modo como as diferentes disciplinas se organizam e produzem conhecimento. É isso que lhes permitirá um olhar crítico, esclarecido, sobre as "inverdades" que circulam a um ritmo alucinante. Frequentemente, o problema não está nos currículos, mas na pedagogia. Há duas ideias centrais: a convergência entre disciplinas e a pedagogia do trabalho. A revolução da convergência, título de um relatório do MIT, alerta-nos para a necessidade de uma educação construída em torno de temas e problemas, com base em projetos de investigação, produção e criação dos alunos. Por isso, o mais importante é sempre o trabalho dos alunos, a forma como estudam, procuram, criam, resolvem problemas, individual e coletivamente. Ninguém se educa sozinho. Precisamos dos outros para nos educarmos. A pedagogia é tudo menos facilitismo. É conseguir que os alunos trabalhem mais, e não menos, mas que o façam com sentido, emoção e curiosidade.
"O lugar da Escola vem sendo discutido com ardor e entusiasmo. Após um século de enormes progressos, surgem sinais claros de insatisfação e de mal-estar (...) Há cada vez mais alunos que abandonam a escola privados de tudo: sem um mínimo de conhecimentos e de cultura, sem o domínio das regras básicas da comunicação e da ciência, sem qualquer qualificação profissional". O professor deixou estas palavras na Revista Saber e Educar, em 2006. Volvidos 17 anos, que análise faz desta mesma realidade?
A realidade está pior. A pandemia cavou novas e profundas desigualdades. Segundo a UNESCO, no mundo, metade dos alunos terminam a escola sem terem aprendido praticamente nada. É inaceitável. Muitos, consideram que é preciso investir mais na educação. Têm razão. Mas não basta. É preciso também que haja uma metamorfose da escola, uma mudança da forma e da configuração da escola. Não vale a pena esperar por uma novidade extraordinária, que venha de uma lei, de uma reforma, de um método ou de uma tecnologia. A novidade está naquilo que, hoje, já se faz em tantas escolas e que precisamos de conhecer, estudar, repertoriar e partilhar. É a partir destas experiências que podemos, em conjunto, pensar e construir novas formas de educar. @ DN
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