Ao telefone, uma avó desabafa que se sente estranha. “Eu, que antes me entusiasmava tanto com o meu neto, agora parece que não consigo vibrar com o que ele faz e diz, com os momentos em que estamos juntos”. Do outro lado da linha, a amiga responde que sente exatamente o mesmo — uns dias antes, tinha ido meio apática para o aniversário do filho.
A diretora de uma empresa questiona-se: “Agora que chegaram as vacinas, que a pandemia parece estar mais controlada, não deveria estar a sentir-me melhor?”. Lembra-se de que há um ano estava cheia de energia a dar resposta aos desafios que surgiam a cada minuto. E agora sente-se amorfa, sem capacidade de se apaixonar pelos dias.
Os relatos vão-se multiplicando. As vidas que levamos desde que a covid-19 chegou são muito propícias à multiplicação destas situações.
Que sensação é esta que parece ser comum a tantas pessoas?
A palavra usada em inglês pela psicologia é languishing. Em português, não existe um equivalente óbvio. “Definhamento” é um termo pouco feliz (e nada técnico), mas pode ajudar a traduzir, de certa forma, a realidade.
“A pessoa não está deprimida, não tem uma perturbação psiquiátrica associada. É um princípio muito cíclico de nos irmos fechando, fechando, fechando…”, descreve ao SAPO24 Tiago Pereira, coordenador do gabinete de crise e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).
Num artigo publicado em 19 de abril deste ano no jornal New York Times, o famoso psicólogo norte-americano Adam Grant admite que esta possa bem ser “a emoção dominante em 2021”: “Uma sensação de estagnação e vazio. Parece que vamos deambulando pelos dias, a olhar para a vida através de um nevoeiro”.
Adam Grant chama ao languishing o “filho do meio da saúde mental”. “É o vazio entre a depressão e o flourishing. Não temos sintomas de doença mental, mas também não somos um exemplo de saúde mental. Não conseguimos funcionar na nossa capacidade plena”.
“Flourishing quer objetivamente dizer a capacidade de cumprirmos o nosso potencial”, descreve o psicólogo Tiago Pereira. Acontece quando somos capazes de usar as nossas competências para “fruir a nossa vida”, "estabelecer propósitos", “cumprir objetivos”.
“O languishing é exatamente o contrário disto. Alguma coisa que, em vez de expandir, mirra”, continua o especialista. “Como quando um balão começa a perder o ar. Fica enrugado, mirrado”.
O conceito não nasceu com a pandemia — foi introduzido pelo sociólogo norte-americano Corey Keyes, na sequência de investigações realizadas nos anos 90 do século XX —, mas quem se tem sentido assim nos últimos meses reconhecerá os sintomas.
É aquela procrastinação, em que vamos “adiando as tarefas e vivendo esse adiar com uma espécie de culpa”, palavras de Tiago Pereira. Uma desmotivação que se entranha. A incapacidade de nos projetarmos no futuro — sim, não conseguir planear as férias ou fazer planos para as semanas seguintes contribui para que, a pouco e pouco, percamos a vontade de definir objetivos.
Com o perigo de, a dada altura, como diz Adam Grant, ficarmos “indiferentes à indiferença”. @Sapo
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