No estúdio que montou na Praça da Batalha (que pode e deve visitar), Alla Kravchenko faz peças de vestuário únicas, com a etiqueta Nutró - palavra que remete para a Ucrânia natal. Em Odessa, continua a avó com quem cresceu e que admira por muitas razões. Uma delas é a resiliência perante estes tempos sombrios.
Alla e a sua história
Passou pouco mais de um ano desde que Alla Kravchenko inaugurou o espaço soalheiro, com varanda voltada para o Teatro Nacional São João, no Porto, onde trabalha e recebe clientes por marcação. A face visível do seu Nutró Studio, por agora, é a moda, mas pode vir a ganhar outros contornos, porque ela, que é autodidata, gosta de ter tudo em aberto, de ir à descoberta, livre para experimentar. Pondera, por exemplo, fazer oficinas de tingimento natural, que aplica em algumas roupas (há peças com vestígios de camélias e folhas de eucalipto). Não se vê sequer como designer de moda, antes como artista.
A avó materna
Os primeiros anos da vida de Alla foram marcados pela presença da avó materna, Natasha, com quem cresceu em Odessa, na Ucrânia. Sempre a viu fazer tricô, bordados e outros trabalhos manuais, e acredita ter sido influenciada por ela nesse campo. Aos 30 anos, Alla recorda como veio para Portugal com 12, para se juntar aos pais, imigrados cá. Viveu numa povoação de Soure, em Coimbra e na Lousã, até se estabelecer no Porto, há uma década. Independente desde cedo, foi fazendo caminho rente às artes, mudando de pele, ganhando novos gostos e interesses, fechando capítulos para começar outros.
Em dado momento, a criadora cortou as rastas e pôs fim à aura de mundo de fadas que vinha de um projeto anterior, de upcycling. Chamava-se Fábula Stitches, e as peças, com peles e rendas, eram feitas a partir de artigos usados e vintage. O gosto pela reutilização, esse continua presente, hoje, no Nutró Studio. Basta pensar na gabardina bege que está a transformar, ou no cachecol feito com amostras de tecidos. Também usa restos de stock de lojas já encerradas, e praticamente tudo em redor foi salvo do lixo ou comprado em segunda mão, dos móveis à pesada máquina de costura industrial. Falta explicar o nome: Nutró é uma palavra que, em ucraniano e em russo, se refere a algo interno; o equivalente a gut, em inglês, ou às entranhas, num sentido metafórico.
O processo criativo e o "mundo lá fora"
“O meu processo criativo é muito intuitivo, vem de dentro, e gosto de pensar que a roupa é algo da nossa expressão”, conta Alla, que tende a começar uma peça, não pelo desenho, mas pelo material: gosta da textura de um tecido, da forma como cai, e dá-se o clique. Não liga a tendências, nem a coleções. As suas roupas são unissexo, sem tamanho e, em regra, filhas únicas. Exceção foram as quatro camisas feitas com linho trazido da Ucrânia, para onde teria viajado em maio, se não tivesse eclodido a guerra.
No início, era muito difícil lidar com o mundo normal, ir à rua. Estava sempre naquele estado: vou chorar agora, vou chorar agora…”, lembra Alla. A avó dizia-lhe que tinha de viver a sua vida, como ela mesma tem tentado fazer, apesar das condicionantes, em Odessa. A neta, que a admira por muitos motivos, entre eles a resiliência, descreve-a como uma mulher independente e desenrascada, que vive sozinha, não deixou de pintar a cozinha com o conflito a decorrer, vai fazendo os seus cozinhados e manualidades. Ainda há não muito tempo lhe mandou roupas tricotadas por si – caso de uma peça em amarelo-torrado, com uma espécie de ananases em relevo. Agora não pode é cuidar do jardim, devido à neve, nem afastar-se muito, e já foi dormir às 19 horas, por falta de luz.
Alla teve amigos que fugiram para outros países, porém, a avó quis ficar. “Estou há um ano a tentar convencê-la a vir para cá passar uma temporada”, comenta. Gostava de levá-la a passear pelo Porto, de lhe mostrar os tascos e o cão que adotou ainda na Lousã, até porque partilham o gosto por animais. @ Evasões
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