A Assembleia da República iniciou na quarta-feira o oitavo processo de revisão constitucional quase 20 anos depois da anterior mudança e mais de dez após a última grande tentativa de a alterar, falhada devido à dissolução do parlamento.
O PSD quer adicionar às tarefas fundamentais do Estado a promoção da “coesão e a equidade entre gerações” – preocupação partilhada com Chega e PAN - e criar um Conselho da Coesão Territorial e Geracional. PS e Livre acrescentam um novo artigo à Constituição que estabelece o direito a uma alimentação saudável e acessível. IL e Chega são os únicos dois partidos que querem reescrever o preâmbulo da Constituição, retirando a referência à abertura de um caminho “para uma sociedade socialista”. O Chega quer também eliminar “referências ao período fascista”.
Emergência sanitária
Só PS e PSD querem responder na revisão da Constituição aos problemas jurídicos que surgiram durante a pandemia de covid-19: o PSD adiciona às razões para decretar o estado de sítio ou emergência a de “emergência de saúde pública”, e ambos os partidos acrescentam uma nova exceção ao artigo que permite privar os cidadãos de liberdade.
Os socialistas determinam que a
Constituição passe a permitir a "separação de pessoa portadora de doença
contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de
doença ou infeção graves”, bastando tal ser determinado pela autoridade de
saúde, embora “com garantia de recurso urgente à autoridade judicial".
O PSD usa uma formulação diferente, mas
com intenção semelhante: passa a poder privar-se de liberdade para
“confinamento ou internamento por razões de saúde pública de pessoa com grave
doença infetocontagiosa”, desde que “decretado ou confirmado por autoridade
judicial competente”.
Metadados
PS, PSD e Chega apresentam propostas
para resolver o problema do acesso aos metadados das comunicações (entre os
quais se podem incluir informações como a origem, destino, data e hora, tipo de
equipamento e localização), depois de o Tribunal Constitucional ter ‘chumbado’
a atual lei.
O PSD quer incluir na Constituição que
“a lei pode autorizar o acesso do sistema de informações da República aos dados
de contexto resultantes de telecomunicações, sujeito a decisão e controlo
judiciais”.
O PS introduz uma exceção ao princípio
geral de proibição de ingerência das autoridades à correspondência e
telecomunicações, permitindo “o acesso, mediante autorização judicial, pelos
serviços de informações a dados de base, de tráfego e de localização de
equipamento, bem como a sua conservação”, quando está em causa “a defesa
nacional, a segurança interna de prevenção de atos de sabotagem, espionagem,
terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade
altamente organizada”.
Na mesma linha, o Chega admite a
violação à proteção das comunicações “por razões de segurança pública no âmbito
de investigação de criminalidade especialmente grave”, salvaguardando
igualmente que tal tem de ser “autorizado por autoridade judicial”.
PS, PSD, Chega, IL e Livre querem
inscrever na Constituição o direito dos cidadãos a verem apagados os seus dados
informáticos, usando expressões como esquecimento, eliminação, dissociação ou
apagamento.
Saúde
O BE e o PCP querem consagrar na
Constituição um Serviço Nacional de Saúde (SNS) gratuito, com PS, PSD, Chega, e
PAN a manterem a formulação atual, que fala em “serviço nacional de saúde
universal e geral”, “tendencialmente gratuito”. Na proposta da IL, é defendido
um “sistema de saúde universal e geral, tendencialmente gratuito”, composto
pelo SNS, mas também por serviços privados e sociais. O PSD e Chega também
defendem a introdução de normas que prevejam a complementaridade entre
entidades públicas, privadas e sociais.
Com a exceção do PCP, os partidos
propõem a inclusão da medicina paliativa nos cuidados de saúde de acesso
universal, com PS, Chega e PAN a acrescentarem também a medicina reprodutiva, e
a IL os cuidados continuados.
O Livre não apresentou propostas sobre a
matéria.
Educação
PS, PSD e Chega defendem que, além do
ensino básico, também o ensino secundário passe a ser “universal, obrigatório e
gratuito”, com os socialistas a quererem atribuir estas três características
também ao ensino pré-escolar.
Sem alterarem os tipos de ensino
sujeitos a caráter obrigatório, BE e PCP propõem a “gratuitidade de todos os
graus de ensino”, enquanto o PS também advoga por essa gratuitidade, mas
ressalva que deve ser estabelecida progressivamente. PSD defende que o Estado
deve garantir acesso universal e gratuito à educação pré-escolar e creches. A
IL quer consagrar o “acesso geral e universal aos sistemas de educação de
primeira infância e de educação pré-escolar”, sem falar em gratuitidade.
Livre e PAN não apresentaram propostas
sobre a matéria.
Justiça
PSD, Chega, IL e PCP pretendem incluir
na Constituição o direito ao recurso de amparo para o Tribunal Constitucional.
O PSD prevê este direito “quando for invocada a violação de direitos,
liberdades e garantias e esteja em causa uma questão que se revista, pela sua
relevância jurídica ou social, de importância fundamental” e o PCP “contra
quaisquer atos ou omissões dos poderes públicos que lesem diretamente direitos
fundamentais”.
A Constituição não permite a aplicação
de penas com caráter perpétuo ou de duração indefinida, mas o Chega quer
acrescentar uma exceção: “salvo quando esteja em causa a prática de crimes
contra a vida ou contra a integridade física, em que se verifique especial
perversidade ou gravidade”. O Chega também pretende permitir penas com recurso
a “tratamentos químicos que se considerem necessários para a prevenção de
crimes de natureza sexual, cujo objetivo seja a redução ou inibição de libido”.
Vários partidos propõem alterações à nomeação do Provedor de Justiça, com o Chega a sugerir que este seja nomeado “nos termos da lei, obrigatoriamente com parecer favorável de júri especialmente constituído para o efeito”. Já o PCP quer que o titular deste órgão seja eleito pela Assembleia da República “para um mandato de seis anos, não renovável” e o BE quer permitir que militares possam recorrer diretamente a este provedor.
O PS não propõe qualquer alteração constitucional nos artigos sobre Justiça.
Ambiente e direitos dos animais
PS, Chega, Livre e PAN querem que a
Constituição consagre o desenvolvimento sustentável ou o combate às alterações
climáticas como uma das tarefas fundamentais do Estado. O PSD quer inscrever na
lei fundamental a necessidade de uma política fiscal também orientada para a
economia circular e de baixo carbono, enquanto o BE propõe que o Estado fique
incumbido de desenvolver uma economia neutra em carbono e “não dependente de
combustíveis fósseis”.
Sobre direitos dos animais, o PAN quer
que a proteção animal também passe a ser uma tarefa fundamental do Estado. PS e
BE propõem que a Constituição preveja a garantia do bem-estar animal, com os
bloquistas a defenderem a criação de um novo artigo constitucional para o
efeito. O Chega quer introduzir nas incumbências do Estado em matéria de
ambiente a necessidade de se proteger a fauna e a flora. Todos os restantes
partidos não avançaram com propostas sobre a matéria.
PCP e IL também não se referem às
alterações climáticas nos seus projetos.
Trabalho / Sistema económico e
fiscal
O PS quer que a Constituição passe a
salvaguardar o “montante e condições de pagamento contratualmente acordados”
para os salários e que os trabalhadores tenham direito a “garantias de defesa
em processo disciplinar” e a “eliminar a precariedade de vínculos e condições
laborais”.
O PCP propõe um rendimento mínimo de subsistência e a “atualização e a valorização em termos reais do salário mínimo nacional” e a IL abre caminho à criação de salários municipais e setoriais e acrescenta um artigo novo sobre regulação da atividade económica. Comunistas e bloquistas consagram a existência de vínculos laborais estáveis e o Chega estabelece que todos têm, para além do direito ao trabalho, “o dever de trabalhar, exceto para aqueles que sofram diminuição de capacidade por razões de idade, doença ou invalide. @ Sapo
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