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O cenário inclui alunos em protesto, pais que não deixam os filhos ir
às aulas, professores preocupados com o risco de contágio à sua volta e médicos
a insistir que só encerrando os estabelecimentos de ensino é possível travar o
contágio.
“Sei que é prejudicial não irem às aulas, mas uma pessoa tem de
equacionar os riscos e eu não me sinto segura, mesmo levando-as de carro”. Quem
fala assim é mãe de duas jovens, uma a frequentar o ensino universitário e a
outra no 12º ano, a viverem na zona de Lisboa, e que desde a semana passada
decidiu restringir as entradas e saídas lá de casa. “Eu já estava em casa, elas
vão ao essencial: aulas práticas, no caso da mais velha, e testes ou aulas de
revisão para a mais nova. Não quero prejudicá-las, mas também não quero apanhar
o vírus”, diz esta mãe, que pede para não ser identificada – embora saiba que
não está sozinha na sua decisão, como também conta à VISÃO outra mãe de duas
raparigas, a frequentarem o 6º e o 12º ano, numa escola em Odivelas. “Não
percebo que as medidas não sejam iguais às de março, encerrando igualmente as
escolas. Ou vão continuar a andar milhares de pessoas a circular…”, prossegue,
a confessar que vive com o coração nas mãos. “Sei que é uma medida drástica,
mas não vejo outro modo…”.
Não são casos raros, garantem, nem estão sozinhas na sua apreensão
quanto à situação da pandemia no país – num dia que começou com um protesto
singular à porta de uma escola, desta feita promovida pelos alunos da Escola
Secundária Padre António Vieira, em Lisboa, a erguerem cartazes e a gritarem
bem alto: “Saúde em primeiro lugar, as escolas têm de fechar.”
“A grande questão é que esta ideia de unanimidade em manter as escolas
abertas não é real”, acrescenta Rui Martins, presidente da Confederação
Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), que, na semana
passada, promoveu um inquérito junto dos seus associados para auscultar
opiniões. “Tivemos mais de cinco mil respostas e o que podemos concluir é que
esta ideia de que os pais são a favor de manter as escolas abertas não é real”,
sublinha o responsável, aludindo às declarações do presidente da outra
confederação de associações de pais (CONFAP), Jorge Ascenção – que insistiu na
necessidade de se manter as escolas abertas em nome de “iguais oportunidades e
qualidade das aprendizagens”, depois de relembrar ainda o argumento invocado
até agora: “se as escolas são dos locais mais seguros, encerrar
até seria contraditório”. Mas para Rui Martins, o que se nota, cada vez
mais, é que “há uma grande divisão e há famílias muito alteradas com tudo o que
se está a passar.”
Disparidade de critérios
O retrato que chega das escolas, duas semanas depois do início do
segundo período, mostra bem a heterogeneidade de situações e decisões que
envolvem alunos, professores e funcionários. “Sabemos que há 30 turmas de
Torres Vedras em casa, mas há muitas escolas onde não há qualquer informação:
alunos que deixam de aparecer, professores que faltam sem ser comunicado aos
colegas…”, conta Paulo Guinote, professor numa escola na margem sul, autor do
blogue O Meu Quintal, e que há anos acompanha de perto as questões da Educação.
“Chegam-me casos de escolas que ocultam casos, diretores que só disponibilizam
a situação no seu agrupamento em caso de extrema necessidade. Ou seja, sabemos
muito pouco do que se está a passar, nada disto é totalmente transparente e
isso obviamente que não oferece segurança”, sublinha. “Devia haver uma
comunicação semanal do Ministério sobre a situação nas escolas. Se não é o que
se vê, além de uma disparidade de critérios sobre quem vai ou não para
isolamento e afins”, acrescenta. “Compreendo que não se queira criar um alarme
social, mas é preciso dizer às pessoas o que se passa para se conseguir quebrar
as cadeias de transmissão”, frisa ainda Guinote, antes de rematar: “Se
fechassem duas ou três semanas, até podia ser desfasado, por ciclos, já eram
muito menos pessoas a circular”.
Fechar por ciclos?
“Já tínhamos apresentado essa proposta, antes do início do segundo
período, e agora voltámos a dirigir igual pedido ao Ministério da Educação”,
assume João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional de
Professores (FNE), confirmando que “há uma grande instabilidade nas escolas” e
daí que, no seu entender, seja preciso fechar. “O que nos preocupa é o controlo
da pandemia. Claro que ter aulas à distância não é o ideal, mas também não
estamos numa situação normal”, conclui Dias da Silva, momentos depois de se
saber que os números oficiais, desta terça-feira, 19, apontavam um nove recorde
de mortes (218) por Covid-19 em 24 horas.
“Sei que há muitos colegas meus a serem pressionados por pais, mas as
escolas não têm autonomia para decidir o encerramento sozinhas”, faz, entretanto,
questão de sublinhar Filinto Lima, o presidente da Associação Nacional de
Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, a lembrar que essa decisão
depende sempre dos delegados de saúde e das direções-gerais de estabelecimentos
escolares de cada região.
Além disso, frisa também aquele responsável escolar, os testes rápidos
anunciados para as escolas ainda não chegaram – um processo que esclareceu,
entretanto, o Ministério da Educação, em comunicado às redações, deverá começar
esta quarta-feira, 20, mas só “nas escolas com ensino secundário de concelhos
de risco extremamente elevado”, lê-se no documento”. “Já nos mandaram para
canto em relação à vacinação, mas esquecem-se que, se os professores não estão
confinados, então devem ser incluídos nas prioridades na vacinação”, acrescenta
Filinto Lima, antes de lembrar que “falta ainda cumprir a promessa de mais 3
mil funcionários para as escolas”, que estão à espera desde outubro.
O que dizem os médicos que pedem o encerramento
A estas vozes, juntam-se ainda as de um número crescente de médicos. É o caso de Vasco Ricota Peixoto, médico interno de saúde pública e investigador da Escola Nacional de Saúde Pública. “Não entendo a decisão. Bastava olhar para os números logo no Natal e depois para o comportamento das pessoas. Parece que estamos à espera de cair no buraco para depois tentar salvar alguém”, comenta o especialista, um dos primeiro a insistir que, no regresso das festividades natalícias, pelo menos 3º ciclo e Secundário – além das universidades – deveriam passar ao ensino não presencial. @ Sapo
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