Paulo Pimenta |
Os relatos de frio nas escolas sempre se ouviram, mas este ano a pandemia veio obrigar a que janelas e portas estejam abertas sempre que possível para permitir o arejamento das salas de aula. DGS diz que a ventilação mecânica de ar “não está desaconselhada”, mas que espaços devem ser arejados preferencialmente com ventilação natural. Como se ensina e aprende? Mais encasacados e com mantas. “É um ano atípico, uma situação absolutamente anormal.”
Vítor Santos está votado às salas frias. Como professor de Biologia e Geologia, as aulas práticas que dá decorrem num laboratório num piso abaixo da terra, sem janelas nem ponta de sol. Na passada segunda-feira lá chegou, às 8h10, para arrancar com as duas primeiras aulas da manhã. “Estive lá duas horas e fiquei com os pés gelados o dia todo”, conta o professor da Escola Secundária Clara de Resende, no Porto. Com as temperaturas a rondarem os zero graus àquela hora da manhã, pouco aquecendo durante o dia, com o aquecimento central ainda desligado e com a necessidade de ir tendo janelas e portas abertas para que o ar circule — e o vírus não se propague —, professores, alunos e funcionários enfrentam, por estes dias, o difícil desafio de se abstraírem do frio para conseguirem trabalhar.
Nesta escola do Porto, há turmas de 28 alunos em salas com 49 metros
quadrados. O distanciamento é o possível, por isso insiste-se em ter as janelas
abertas e, quando é possível, também a porta para garantir que o ar se vai
renovando. Mesmo com temperaturas baixas. “Os miúdos encasacam-se e os
professores também”, diz a directora do agrupamento, Rosário Queirós.
Até agora não lhe chegou nenhuma queixa por parte de encarregados de
educação, mas a situação, admite, é “complicada”. No início da semana, depois
da visita de um engenheiro da Parque Escolar para aferir se o sistema de
aquecimento da escola estaria adequado para permitir a renovação de ar
(não comprometendo a recomendação da Direcção-Geral de Saúde de que a
ventilação deve ser, sobretudo, natural), a escola ligou “o sistema de ar
forçado”, aquecendo assim algumas salas. Mas ainda assim, com as portas e
algumas janelas abertas — sobretudo os frisos superiores — o calor vai-se
perdendo. “Vamos ter de abrir menos as janelas porque senão as pessoas morrem
de frio. Os alunos não tiram os casacos. Nós também não. Que remédio!”,
sublinha Vítor Santos.
Na verdade, o problema do frio nas escolas não é novidade. Todos os
invernos, sucedem-se relatos de escolas sem condições térmicas, seja por terem
instalações muito antigas, equipamentos avariados ou falta de verba para
assegurar o seu funcionamento. Mas este ano, face à situação pandémica e às
recomendações de que se devem manter janelas e portas abertas para permitir uma
melhor ventilação das salas de aula, a sensação de frio tende a
agravar-se.
No Liceu Camões, em Lisboa, os alunos já se habituaram a “trazer
mantinhas” para a escola, diz o director, João Jaime. “O Camões sempre foi
gelado, gelado.” Há anos que por ali se luta por melhores condições para os
alunos desta centenária instituição mas, este ano, nem sequer o calor de um
abraço pode ajudar a colmatar o frio. Nos monoblocos onde os alunos têm aulas,
os equipamentos de ventilação não são ligados devido à pandemia, diz o
director.
No entanto, para João Jaime, há preocupações maiores, que não passarão
com o fim desta vaga de frio: a incerteza de como decorrerão as actividades
lectivas até ao final do ano lectivo, a falta de instruções de como será feita a avaliação final dos alunos neste ano de excepção.
À Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), não têm
chegado queixas devido ao frio nas escolas. “Sabemos que num ou outro caso há
situações que têm de ser melhor ponderadas porque é óbvio que o arejamento das
salas não se pode fazer quando temos temperaturas negativas”, nota Jorge
Ascenção. Mas o presidente da CONFAP quer “acreditar que ninguém está a obrigar
os alunos e os professores a estarem dentro de uma sala com a porta e janelas
abertas quando está frio”. Caso contrário, aprender e ensinar torna-se ainda
uma missão mais exigente. “É preciso ter bom senso naquelas que são as normas e
orientações. Podemos arejar, fazer mais intervalos”, sugere o responsável.
Questionada pelo PÚBLICO sobre a recomendação actual relativa aos
sistemas de ventilação e aquecimento nas escolas, a Direcção-Geral de Saúde
(DGS) esclarece que “não está desaconselhada a utilização de ventilação
mecânica de ar (sistema AVAC)”, apesar de o arejamento dos espaços dever ser
feito “preferencialmente com ventilação natural”. “Quando estes sistemas são
utilizados, deve ser garantida a limpeza e manutenção adequada, de acordo com
as recomendações do fabricante, e a renovação do ar dos espaços fechados, por
arejamento frequente e/ou pelos próprios sistemas de ventilação mecânica
(quando esta funcionalidade esteja disponível)”, aconselha ainda a DGS.
Numa recomendação de Julho, esclarece que “as unidades de tratamento de
ar com recirculação devem funcionar com 100% de ar novo, sempre que possível”.
Ora, é precisamente isto que alguns dos sistemas que equipam as escolas não
garantem, daí a precaução dos dirigentes.
“É a situação que temos”
Para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de
Agrupamentos e Escolas Públicas, o momento que atravessamos deve ser encarado
como “excepcional e temporário”: “Não queremos que os nossos alunos passem
frio”. Mas as escolas estão também focadas em seguir a sua actividade com as
cautelas e não serem focos de propagação do vírus, “como não foram no primeiro
período”, sublinha. “Cada escola está a adoptar medidas e a ver qual a melhor
maneira de garantir a aprendizagem dos alunos, mas não ser um foco de
propagação”, diz o também o director do Agrupamento de Escolas Dr. Costa
Matos, em Vila Nova de Gaia.
No agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, em Cinfães, dirigido por
Manuel Pereira, as temperaturas têm descido abaixo de zero. O aquecimento
é a gasóleo, por isso está sempre ligado. “No caso das escolas que têm ar
condicionado, a situação é mais complicada”, nota o presidente da Associação
Nacional de Dirigentes Escolares. É o caso de escolas que foram
intervencionadas pela Parque Escolar. Em algumas, acrescenta, as janelas são
difíceis ou até impossíveis de abrir.
“Na escola onde trabalho, tenho o aquecimento ligado o dia inteiro, as
bandeiras das janelas e as portas abertas. De alguma forma, desperdiça-se
imenso calor e energia”, observa, notando ser difícil manter algumas salas
“minimamente aquecidas”. À semelhança do que tem acontecido noutras escolas, a
solução tem sido comprar aquecedores eléctricos para colocar nas salas mais
frias.
Neste “ano atípico, numa situação absolutamente anormal”, pede paciência aos estudantes e encarregados de educação. “Pedimos aos alunos e aos pais que tenham alguma compreensão e que venham mais protegidos para a escola, com roupa que os ajude a estar mais confortáveis na sala de aula. É a situação que temos. É esperar que num futuro próximo a situação não se mantenha.” @ Público
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