A propósito do Museu do Holocausto do Porto a ser inaugurado em breve
No passado dia
27 deveria ter aberto ao público o primeiro museu da Península Ibérica para
memória das vítimas do terror nazi. Com curadoria de Hugo Vaz, está pronto e
aguardando o fim do Estado de Emergência na Rua de Campo Alegre, número 790.
Considero a existência deste museu da ordem da urgência, um elemento
fundamental para a educação das novas gerações que, por se sentirem a salvo de
algo que lhes parece tão distante, reincidem nos tiques que levaram ao pior da
humanidade. Contra a normalização do fascismo, contra a normalização das
ideologias excludentes, lembrar o nojo desumano que foi o nazismo é garantir
que nos preocupamos com o futuro, é garantir que pode haver futuro.
A experiência de visitar os campos de concentração de Auschwitz e Birkenau é assombrosa. Para alguém dotado de um mínimo de consciência passar por aquelas camaratas, espiar o esconso dos espaços, o que sobra de um cárcere massivo e de intenção genocida, é insuportável. Lembro-me de seguirmos numa multidão comovida, fechando os olhos para não ver, não saber mais, não poder entender mais nada, e alguém dizer da obscenidade de nos ser demasiado aquele que para milhões foi necessariamente um lugar de resto de esperança, luta pela sobrevivência, ponto da resistência possível. O horror é tão ali patente que a simples visita turística se torna uma experiência genuína da violência. Tudo quanto se diz nos soa a absurdo, não há como conceber a razoabilidade de coisa nenhuma. Tudo transcende, ofende, o que se espera da vida.
Como poderíamos, pois, aceitar nem que por uma distracção, a normalização das ideias que arriscam um regresso desta desumanidade? O que justificará o regresso do asco ultra-nacionalista e a tolerância que alguns demonstram para com ideologias que simplesmente pretendem rasurar da cidadania grupos inteiros da sociedade? Faria sentido existir um Presidente da República que não fosse de todos os portugueses? O que chamaríamos aos portugueses que, por uma tal imbecilidade, fossem vistos como não tendo presidente? Teriam país? Seriam de que país? Haja quem tenha talento para explicar tão grotesca estupidez.
O Museu do
Holocausto do Porto procura abordar três dimensões fundamentais: a da vida dos
judeus antes do Holocausto; a morte dos judeus no Holocausto; e a vida dos
judeus depois do Holocausto. Com isto se pode estudar como se geram disciplinas
de ódio e manipulam as populações para a aceitação da exclusão de alguns; como
se instala a covarde predação e morte dos que se obrigou à exclusão; e como
regressar a um sentido de esperança depois da experiência do limite desumano.
Aprender com o que passou é o único modo de prevenir que seja de novo. Porque o
ódio está sempre à espia, a manipulação é cada vez mais fácil, impune e vil. As
ganas de extermínio não acabaram.
Assim que abra, por favor, de máscara e gel, coração aberto, todos a caminho da Rua do Campo Alegre, que é o mesmo que dizer, todos a caminho do único futuro que faz sentido: o da paz, da paridade, da liberdade, da democracia. @ JN
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