Aproximando-se o fim de semana, o CRESCER partilha este texto de autor com a comunidade. Para ler e refletir. O autor é o psicólogo Eduardo Sá.
Fiquem bem!
Fiquem bem!
Na verdade, nada é tão linear como parece. Nem as crianças
são pequenas, nem os seus pais crescidos, como aparentam. Elas nem sempre
crescem. E eles voltam, por dentro, muitas vezes, para trás. Com o tempo há
quem se torne jovem. E quem, entre as oportunidades que tem para crescer,
vacile e envelheça. Com o tempo, há quem se torne ingénuo e sábio, arrebatado,
amável, terno ou buliçoso. E quem azede, adoçando a ira de euforia. Com o tempo
há quem - de cada vez que muda queira começar do zero (como quem deixa de si
quase tudo para trás). E há quem recrie tudo o que sabe, nunca partindo sem que
leve aquilo que os outros teimam em deixar. Para quem envelhece nada é eterno.
Para quem se recria tudo é para sempre. Quem envelhece morre todos os dias, um
pouco mais. Quem se recria torna-se jovem, sempre que a aprende.
Na verdade, nada é tão
linear como parece. E é por isso que eu imagino que, um dia, a escola deixe as
linhas direitas e se desarrume um bocadinho. E mais pareça uma praça muito
grande, onde, a par de todas as matérias que as crianças tenham de aprender,
haja um senhor, com bigodes retorcidos e rosetas afogueadas, tomando conta do
sorriso, que as torne brincadoras. E lhes explique - devagarinho, se for
preciso – que brincar é aprender. As crianças deviam ter recreios de
compensação até que aprendessem a brincar. E ninguém as devia largar enquanto
não abafassem berlindes, jogassem ao lenço ou à macaca, porque primeiro liga-se
o corpo e aquilo que se sente e, só depois, o que se sabe com tudo o que se
aprende. É por isso, certamente, que, ao contrário dos sabichões, os sábios
nunca são enfadonhos. E um dia, para além da história que vem nos compêndios
que cheiram bem, a D. Perpétua, que distribui graçolas com os jornais que
vende, todos os dias, devia ensinar às crianças que, tão importante como a
conjugação dos verbos e a gramática, a aritmética ou a matemática, é bom chorar
no cinema, quando tem de ser. E só se aprende uma história, seja a de um rei ou
a de um peixe com memória de grilo, por exemplo quando ela entra por nós sem
nenhum «se faz favor!?...» e fica, em parte incerta, cavaqueando baixinho. E
que o senhor do talho, que empurra o mundo com o avental, avalie com todo o
rigor se cada criança é capaz de rir até às lágrimas, antes de ousar pegar no
lápis e escrever aquilo que se acotovela na imaginação. Na verdade, o riso é
amigo do espanto. E quem não se espanta nunca aprende que um problema é sempre
muito mais importante do que qualquer solução. Ah! E se houver um Doutor
Valeroso, de óculos descaídos, que não ensine o português antes de as crianças
aprenderem a ir ao último capítulo, logo depois de passarem pela casa da
partida, será demais. Como é bom atropelar a imaginação sempre que se adivinha!
Sem nunca, mesmo nunca, confundir sonho e devaneio! A escola é uma sala de estar. Tem de aconchegar! E precisa de
explicar, ao mesmo tempo, que compreender não é condescender. E que um
professor de verdade educa antes de ensinar e é por isso que muitos professores
são, muitas vezes, tios e, mesmo não devendo, são um bocadinho pais. A escola
devia ser, também, um banco de jardim. E devia pôr, no lugar da unicidade, a
pluralidade: diversos professores, muitos amigos, os pais num entra e sai, mais
a D. Perpétua, o senhor das rosetas e o homem do talho que educam melhor, e
põem mais longe no olhar. A escola devia ter um cantinho, para cada um. E um
diretor de turma devia dar poucas aulas. Muito poucas. E devia telefonar, a perguntar pela constipação da Constança e devia
fechar a escola, sempre que uma criança se zangasse com ela e a abandonasse. E
sempre que uma criança reprovasse duas vezes, devia considerá-la em perigo. Não
tanto a criança, mas a escola e a família (que parecem distraídas, uma com a
outra, e não a conhecem). A escola é uma praça,
uma sala de estar e um banco de jardim. E, com o tempo, devia tornar ingénuos e
sábios, arrebatados, amáveis, ternos ou buliçosos todos aqueles que vacilam e
envelhecem. Para quem envelhece nada é eterno. Para quem aprende tudo é para
sempre. @ blog eduardo sa
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