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quarta-feira, 23 de outubro de 2019

olhares sobre questões de educação

O CRESCER dá hoje continuidade ao texto publicado  na semana passada, da autoria da professora Ana Granja.

Educar para a cidadania ou educar na cidadania? (II)

daqui

       A perspetiva holística da ação educativa, que assume como grande finalidade a educação de cada uma e de todas as potencialidades humanas, surge nas sociedades atuais como um novo paradigma educativo, sistémico e integrador, capaz de colmatar as múltiplas fraturas que o paradigma mecanicista da modernidade incutiu na nossa visão do mundo. Pretende-se assim romper com uma tradição positivista ainda muito arreigada nas nossas escolas e responsável pelo sistemático desprezo por dimensões fundamentais do desenvolvimento integral e harmonioso do ser humano: os sentimentos, a intuição, a fantasia, a espiritualidade, a criatividade, a arte, a expressão corporal e o desenvolvimento moral[1].
Uma escola que não entende ensino e aprendizagem como pólos recursivos de uma relação dialógica, uma escola que separa alunos e professores das pessoas que são (e já eram), uma escola que reduz o saber a disciplinas fragmentadas, e sem pontes entre si, uma escola que se isola do contexto de que faz parte e que não se assume como espaço de cidadania, configura uma escola incapaz de enfrentar o desafio da globalidade, inapta para tratar “realidades multidimensionais, globais, transnacionais, planetárias, problemas cada vez mais transversais, pluridisciplinares, até mesmo transdisciplinares.”[2]
Por tudo isto, o grande desafio da nossa época é precisamente adaptar todo o sistema educativo a um novo paradigma que educa para a totalidade, partindo da totalidade. O direito de cada aluno ao desenvolvimento da sua personalidade e à plenitude da sua cidadania deve ser finalidade e fonte de legitimidade de tudo o que se faça a título de educação. Este novo paradigma do direito à educação deve centrar-se no interesse superior do educando e libertar-se da tendência tradicional de reproduzir as crianças e jovens à semelhança dos adultos.[3]
Educar para a cidadania significa desenvolver nos nossos alunos e alunas a capacidade para pensar de forma crítica e independente, de modo a estarem aptos a participar ativamente nos assuntos da comunidade e do planeta. Se confinarmos a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento à sala de aula e a tornarmos refém de pedagogias transmissivas e expositivas estaremos a matar à nascença o contributo inestimável que esta componente curricular pode ter no desenvolvimento pessoal e social dos nossos alunos, ao mesmo tempo que lhes estamos perversamente a passar a mensagem de que Cidadania é qualquer coisa que só acontece na escola às quartas-feiras, das 10h30 às 11h20.
Esta perspetiva monolítica e insular da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento acarreta o risco, real e perverso, de a vermos reduzida a iniciativas individuais de mera forma(ta)ção cívica (quase na forma de curso de boas maneiras), através da qual os alunos se tornem seres submissos e passivos perante as receitas prescritivas que nós, professores, lhes impomos. Educar para a cidadania implica proporcionar aos alunos experiências reais e contextualizadas que lhes permitam ter voz ativa, propor e organizar iniciativas, fazer escolhas conscientes e tomar decisões responsáveis e sustentadas. Educar para a cidadania implica uma dimensão vivencial e experiencial que não se compadece com teorias ocas e abstratas, que dificilmente se traduzem em aprendizagens significativas.  
Somente uma educação não fragmentada, isto é, uma educação na totalidade e para a totalidade pode permitir ao ser humano cumprir-se como tal, ser plenamente. Ensinar a condição humana, aprender a viver e refazer a ideia de escola na e para a cidadania não é possível só com ciência e técnica. A escola deve assumir-se como espaço de afetos. Tal como a vida.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                            Ana Granja





[1] Ramos, R. Y. (2001). Educación Integral: una educación holística para el siglo XXI (Vol. I). Bilbao: Editorial Desclée de Brower.
[2] Morin, E. (2001). Os desafios da complexidade. In E. Morin (Ed.), O desafio do século XXI: Religar os Conhecimentos. Lisboa: Instituto Piaget.
[3] Monteiro, A. R. (1998). O Direito à Educação. Lisboa: Livros Horizonte.


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