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terça-feira, 15 de outubro de 2019

olhares sobre questões de Educação

 Educar para a cidadania ou educar na cidadania? (I)


daqui
Não é uma mera questão semântica ou linguística aquela que a interrogação do título deste texto encerra. Trata-se de uma distinção concetual e paradigmática que, a montante, irá determinar e enformar as dinâmicas pedagógicas que nas nossas escolas pretenderão dar corpo à nova componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento.
Educar para a cidadania, e em cidadania, são conceitos complexos e polissémicos dos quais é impossível erradicar uma inevitável contaminação ideológica. Mas é precisamente esta falta de neutralidade, e sobretudo a forma como a assumirmos, que condicionará o rumo a dar a esta nova componente do currículo.
Controvérsias à parte, talvez seja útil buscar alguns consensos. Arrisco o primeiro: educar para a cidadania é um compromisso de todos os professores, mesmo daqueles que não o assumem como seu. Estes fazem-no sem saber e, como tal, sem conferir à sua prática uma intencionalidade pedagogicamente assumida que, sem isentar, pelo menos atenua os riscos perversos de um adestramento inconsciente. Tudo o que o professor diz e faz assume um sentido moral, o mesmo acontecendo com os seus silêncios e as suas omissões, já que qualquer ato educativo é um ato de influência, quer se reconheça ou não[1].
Educar para a cidadania numa perspetiva de projeção num tempo e num espaço que não são o da escola é uma contradição nos próprios termos e um perigoso descomprometimento da escola enquanto espaço de cidadania ativa. Ao invés, educar para a cidadania numa escola que se assume ela mesmo como um espaço onde a cidadania se exerce numa lógica do “aqui e agora” significa cumprir o direito de cada um dos nossos alunos e alunas a desenvolver o máximo das suas capacidades, de forma a conseguir participar ativamente na vida política, económica e social. Uma das tarefas fundamentais da prática educativa é desenvolver nos educandos a capacidade de emancipação que lhes permita assumirem-se como seres históricos, sociais, criadores e transformadores, numa abertura respeitadora e dialogante ao outro e à diferença.
A Escola, muito mais do que um mero lugar de escolarização, deve ser um espaço de formação humana, o que implica assumir a construção do sujeito ético como a missão suprema e fulcral da Educação[2]. Nenhum espaço educativo pode alhear-se de um forte comprometimento com os valores universais, sob o risco de a atividade educativa se reduzir a mera atividade técnica. Significa isto que o facto de a educação ser uma atividade humana lhe confere uma dimensão ética de que não se consegue destrinçar.
O papel da escola não é unicamente oferecer conteúdos informativos, não é apenas instruir, mas promover o desenvolvimento do ser humano na complexidade e multidimensionalidade que o caracterizam, o que nos remete para uma visão pedagógica de cariz holístico que resiste a perspetivar o aluno apenas na sua dimensão cognitiva, enquanto mero recetáculo de conhecimentos, procurando promover o desenvolvimento integral de todas e cada uma das potencialidades humanas: intelectuais, emocionais, sociais, físicas, artísticas, criativas e espirituais.
Ana Granja

(a continuar na próxima semana)



[1] Estrela, M. T. (2010). Profissão Docente: Dimensões Afectivas e Éticas. Porto: Areal Editores.
[2] Rodrigues, N. (2001). Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. Educação & Sociedade, 76, 232-257.


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