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terça-feira, 17 de novembro de 2020

“O sono não acontece por encomenda e fazer pressão para que chegue só aumenta a ansiedade e o estado de alerta”


A psiquiatra Marta Gonçalves, coordenadora do Centro de Medicina do Sono do Hospital CUF Porto e certificada pela Sociedade Europeia de Investigação em Sono, explica o que se passa no corpo e no cérebro enquanto dormimos, o que pode prejudicá-lo e o que podemos fazer para melhorar a qualidade desse tempo.

Uma noite bem dormida é essencial para o nosso equilíbrio. O sono tem várias fases, que incluem o “sono profundo, com ondas cerebrais mais lentas” e a fase REM (movimentos oculares rápidos), “onde temos sonhos, e que é muito importante para consolidar memórias e processos cognitivos”. A médica, que está a fazer um doutoramento em Saúde e Epidemiologia Clínica, com um estudo sobre o sono na população, confirma que, na sua prática clínica, tem vindo a assistir ao aumento das perturbações do sono, nomeadamente as insónias e os pesadelos, “um sinal a favor do desenvolvimento de Stresse Pós-Traumático” – mas ainda é cedo para tirar conclusões – sobretudo nos profissionais de saúde que estão na primeira linha de combate à Covid-19, “pelos níveis de ansiedade a que estão sujeitos”. 
Muito se fala dos fatores que são inimigos de um bom sono, que parece mais difícil agora: “As preocupações associadas à incerteza dos tempos que estamos a viver, as perturbações ansiosas e depressivas, mesmo até nos mais resilientes e a falta de exercício físico”. Além destes, como não podia deixar de ser, “o uso excessivo de tecnologias, que não devem entrar no quarto e das quais nos devemos desligar, pelo menos duas horas antes de ir para a cama”.
São também de levar em conta as condições ideais para dormir bem: um quarto fresco, ou não demasiadamente aquecido, com silêncio e escuro, para favorecer a produção de melatonina, a hormona do sono. Contudo, “pessoas com um ritmo vespertino, que se deitam e acordam mais tarde, podem ter vantagem em ter as persianas abertas, que facilitam o despertar. 

Inimigos do bom dormir

O que fazer quando tantos de nós se veem privados do sono, sem respeitar o chamado “8x8x8” (tempo para dormir, trabalhar e fazer outras coisas durante a vigília)? As diferenças individuais contam: há quem se sinta bem a dormir sete a oito horas, outros precisam de menos, ou de mais, “cada um deve dormir o número de horas que o faz sentir melhor”.  Quando tal não é possível, compensar o sono perdido é recomendável, como, de resto, sucede com os jovens, ao fim-de-semana.

Estudos mostram que atrasar o início das aulas uma hora no início das aulas produz melhorias significativas no rendimento.

O problema passa, em muitos casos, pelo horário escolar:  “Estudos mostram que atrasar o início das aulas uma hora no início das aulas produz melhorias significativas no rendimento.” Esta questão diz sobretudo respeito aqueles cujo ritmo biológico os leva a deitar-se mais tarde e a acordar também mais tarde, mas não é exclusiva dos jovens. 

A privação de sono e o mau dormir são uma realidade que, infelizmente, quase todos conhecemos e que se manifesta em problemas de saúde, agravando o risco de “patologias cardiovasculares, diabetes, perturbações depressivas e ansiosas”, além de “provocar alterações no sistema imunológico e hormonais, que contribuem para a obesidade”. 

Menos medicação, mais higiene do sono

Respeitar o relógio biológico é uma das melhores coisas que podemos fazer para debelar problemas neste campo, mas atenção: “O sono não acontece por encomenda e fazer pressão para que chegue só aumenta a ansiedade e o estado de alerta.” Ou seja, ir mais cedo para a cama do que é habitual é contraproducente. Se ele não vem ou se desperta e não volta a adormecer, a solução passa por “sair do quarto, ler ou ver um filme, pode ser preferível do que forçar porque se decidiu que tem de ser e não se está a dormir nada”. Como bem sabe que já passou por isto, “não se adormece quando se está ansioso, ou a ver as horas durante a noite”, como acontece quando se tem insónia intermédia (acordar várias vezes durante a noite)”. 

Há muita medicação hipnótica para a insónia que não resolve o problema a longo prazo, é preciso atuar a outros níveis

Evitar estimulantes, como o café e as colas, é um favor que podemos fazer a nós mesmos. Outro, é a prática de exercício físico, “nem que seja uma caminhada diária, porque ajuda muito na redução da ansiedade e do estado de hiperalerta”. E, já agora, cultivar atividades que deem prazer, da dança ao andar de bicicleta, na medida em que “promovem a tão necessária atividade física e ajudam a desligar”.

Quanto ao uso de medicamentos, Marta Gonçalves assume: “Há muita medicação hipnótica para a insónia que não resolve o problema a longo prazo, é preciso atuar a outros níveis”, seja reduzindo na ansiedade por meios naturais ou técnicas cognitivo-comportamentais, ou prescrevendo fármacos antidepressivos em vez dos hipnóticos, quando a insónia tem relação com quadros depressivos. Em síntese, mudar crenças e comportamentos é a via para dormir melhor. @ Sapo 

2 comentários:

Luisa Ferreira disse...

Artigo muito interessante. A falta de sono é altamente incapacitante e condicionadora de uma vida de qualidade e produtiva.

mc disse...

Verdade!