Esta transformação digital acontecerá quando os professores atravessarem o Oceano de submarino e promoverem todo esse conhecimento com os alunos.
Anuncia-se o novo (?) caminho para uma circum-navegação pela “transição digital”. Esta proposta surge alguns anos após uma outra viagem por mar alto, em que devido a um tal de “Magalhães” muitos se afogaram seguros à bóia de um computador, sem grande noção de como poderiam salvar-se “pedagogicamente” nesse imenso Oceano.
A questão centra-se no planeamento do que queremos para a Educação. O que podemos e sabemos fazer com a tecnologia educativa que nos vem parar às mãos? Se toda esta “nova” tecnologia anunciada, usada e prevista, muita já existente em diversas escolas ditas do futuro, não for pensada e refletida, voltaremos a afogar-nos. Uma das razões é o facto de a tecnologia nos ser oferecida sem a pedirmos, ou, por outro lado, nos ser facultada tendo pedido, mas sem sabermos muito bem o que fazer com ela, afinal, serve apenas para “surfar” pelas ondas dos principais problemas burocráticos do sistema educativo. Ao invés disso, teremos de ter necessidade de a utilizar, mas para criar e produzir, para comunicar e interagir, como o fez tão rapidamente a Sra. Covid. Na verdade, se por um lado a necessidade técnica está criada (tenho dúvidas, se resolvida), nesta pandemia pela distância de se comunicar com professores e alunos, fica a questão: está criada a necessidade pedagógica que nos fará alterar a forma como poderemos atravessar o Oceano de forma mais profunda? E não nos voltarmos a afogar.
Primeiro que tudo, precisamos conhecer o sentimento dos nossos super e ágeis professores, para perceber qual a vontade que têm de atravessar para o outro lado de um imenso mar. Pois, sabemos que a questão da atitude que temos perante um processo de transformação pedagógica é determinante para que este possa acontecer, não de forma imposta, mas pela vontade de continuar a ser professor, não esquecendo sempre de ser aluno. Não podemos confundir esta nova atitude, com a excelente dedicação dos milhares de professores que nesta pandemia tentaram, com o que puderam, alguns a nado, outros molhando os pés, concretizar os objetivos de aprendizagem neste mar da Educação… Mas a grande maioria atravessou o Oceano de canoa (pior é quando nem se tenta molhar os pés).
A Educação deste novo século precisa que os alunos aprofundem, entrem num processo produtivo e construtivo, pensem e reflitam sobre o quê, e por que aprendem, precisam dar sentido a conteúdos desajustados das suas realidades. Mas isso só acontece se conhecerem o que está nas profundezas do Oceano, logo, isso não se fará pela superfície do mesmo, onde veem pouco mais que água e algumas embarcações. Esta transformação digital acontecerá quando os professores atravessarem o Oceano de submarino e promoverem todo esse conhecimento com os alunos, analisando as algas, os corais, a enorme variedade de seres que se encontram bem nas profundezas. E as profundezas só são alcançadas com o desafio de as conhecerem, e só a tecnologia nos ajuda a ir tão longe, de forma tão imersiva. Aos professores de todo o país, que fizeram o que souberam e com os meios e formas que conheciam para que a Educação acontecesse, questionamos, as atividades educativas aconteceram como projetaram? Mantinham as práticas concretizadas? Os alunos envolveram-se como pensavam? Os alunos tinham “as tais” competências de “nativos digitais” como pensavam? Estaremos prontos para um novo ano letivo, presencial, online ou misto (b-learning)? Pensamos que não, todos sabemos que na generalidade das escolas (ou será das casas?), na grande maioria das atividades, remendou-se um problema como se conseguiu, de modo a que a canoa não afundasse ou se perdesse...
Está criada a necessidade pedagógica, ou seja, percebemos que os alunos precisam de ser ensinados, estimulados, cativados e desafiados, não na sua memorização, mas na sua real compreensão do quotidiano, com estratégias que diferem dos modelos que conhecemos e isso levará a que os alunos não continuem a “surfar” na rede e passem a “mergulhar” nas profundezas, com os professores, em perfeita harmonia colaborativa.
Claro que é difícil, mas se fosse fácil não seriam professores, por isso, fica aqui o desafio para que nesta próxima viagem não seja necessário, “só”, que seja novamente ao sabor de milhares de equipamentos conectados à Internet (sabendo que são precisos para alunos, mas também para professores), mas, sobretudo, seja num formato de aplicação flexível do currículo, de estruturação de conceitos chave, projetos que se interliguem disciplinarmente e através da produção de conteúdos pelos alunos. Que este novo momento nos leve a contextos reais de capacitação e ambientação a novos modelos pedagógicos que, naturalmente, emergem com tecnologia, ao invés das centenas de formações que vão existindo sobre tecnologia, apenas, sem dimensão pedagógica.
Não se pretende que se coloque a escola num scanner e se digitalize, porque nesse momento mantemos o que fazíamos no papel, mas agora num formato digital… É pouco, e é a continuidade de uma viagem pela superfície do Oceano, numa clara sensação de déjà-vu.
A grande vantagem de um contexto de 1:1 é de respeitar os ritmos de aprendizagem de cada aluno, deixando o aluno controlar o que aprende e ter a oportunidade de aprender por si. Receamos que este novo plano anunciado nos traga o contexto 1:n, no qual o professor continuará a assumir o protagonismo da aprendizagem ao seu ritmo, formatado às práticas vigentes, com a capa do digital. Mais do que 1 dispositivo por aluno (1:1 device), pretende-se 1 aprendizagem por aluno (1:1 learner), personalizar é difícil, mas a tecnologia potencia esse modelo.
Uma transição pode não significar qualquer tipo de mudança, mas apenas a transferência de algo, e essa ideia ganha força quando se junta à ideia de digitalizar a escola. Neste sentido, fazer o mesmo que se faz nas versões de escola analógica, mas agora com tecnologia, é quase a mesma coisa que passar de uma leitura de um livro em papel para a leitura de um livro em formato de PDF, pois fazemos o mesmo tipo de leitura, mas cansa muito mais e só achamos engraçado e motivador nas primeiras leituras! Na realidade, um PDF de um livro não é um e-book, porque um e-book só o é se for interativo, tem um formato de leitura que inclui ação, áudio, vídeo, atividades que provocam no leitor o controlo sobre o que lê, a forma como o faz e isso não é tão fácil conseguir, porque do ponto de vista pedagógico obriga-nos a repensar o desenho das atividades.
Andamos há demasiado tempo a fazer experiências com apps e plataformas… Quando redefinimos o rumo da viagem para algo mais profundo, redefinir o processo de implementação dando o protagonismo ao aluno para criar, desenvolver, produzir, refletir e comunicar? O que pretenderemos em vez de uma transição, não será uma transformação? O que pretenderemos em vez de uma transição digital, não será uma transformação pedagógica?
Hoje, é preciso perceber como tem de se redefinir o currículo, o que/como ensinamos e o que/como os alunos aprendem. Mas também como estes podem ser articulados com as várias áreas disciplinares, como poderemos desenvolver atividades que promovam a autorregulação e estudo autónomo em modelos invertidos de aprendizagem, nos quais os alunos controlam o que aprendem e lhes é dada a permissão de aprender por si (não confundam com aprender sozinhos… isso já o fazem muitas vezes e não resulta).
Podem-se investir milhões em material didático, milhões em computadores, milhões em tablets, internet e afins, todos ficamos contentes, e claro que é necessário, mas depois é como oferecer as mais sofisticadas canas para pescar. @Público
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