Baltimore, que Nina Simone gravou em 1977, não é a sua melhor canção de protesto
contra a segregação racial, nem a mais poderosa. Nasce 13 anos depois da grande
viragem política da cantora, quando ela já era uma das mais inspiradoras vozes
do movimento de direitos civis americano.
Nina Simone queria ser pianista clássica e morrer a tocar Bach. Ao não ser
admitida numa escola de música — por causa da cor da sua pele, disse mais tarde
—, reinventou-se. Estamos nos anos 1950, Nina Simone tem 21 anos e ainda nem se
chama Nina Simone. Porque precisa de dinheiro, começa a dar aulas de música de
dia e a cantarstandards americanos em bares de New Jersey à noite.
Para a mãe não saber, abandona o nome de baptismo, Eunice Kathleen Waymon, e
inventa Nina Simone. E assim ficou, durante anos, entre o jazz, o blues e o
piano clássico, num cruzamento que ainda hoje não tem nome.
Um manifestante durante os confrontos com a polícia, em Baltimore, Maryland, esta segunda-feira, na sequência da morte de mais um jovem negro pela polícia SHANNON STAPLETON/REUTERS |
Os EUA começavam a ferver. Em 1955 — tinha Nina Simone 22 anos —, num
autocarro de Montgomery, Alabama, Rosa Parks recusa levantar-se para dar lugar
a um branco, e havia tantos bombardeamentos de casas de negros em Birmingham
pelo Ku Klux Klan que a cidade era conhecida como “Bombingham”. Nina Simone via
tudo isto mas não gostava das canções de protesto. Tiravam dignidade às pessoas
que queriam homenagear, dizia. E foi cantando as “suas coisas”. Até que veio o
12 de Junho de 1963. Do nada, e em plena luz do dia, um membro do Ku Klux Klan
assassina Medgar Evers com um tiro nas costas. Evers era um activista negro do
Mississípi que se tornara incómodo na luta contra a segregação racial na universidade.
Ao chegar ao hospital, não o deixaram entrar. Era um hospital para brancos.
John Kennedy já estava na Casa Branca mas ainda faltava um ano para a histórica
lei federal que proibiu todas as leis segregacionistas do país. Para Nina
Simone, foi a gota de água. Cantou Mississipi Goddam e, meio
século depois, a canção continua a ser um grito de dor. “Everybody knowsabout Mississippi Goddam!”
Baltimore veio depois, mas a fúria ainda é
evidente. A sua voz que enfeitiça canta uma “cidade dura à beira-mar”, onde as
“pessoas escondem as caras” porque “a cidade está a morrer” “and they don’t
know why”. “Oh, Baltimore/ Ain’t it hard just to live?” Todos
querem fugir. “Never gonna come back here/ Till the day I die.” Há
dez anos, o Governo americano foi derrotado em tribunal por concentrar os
negros em bairros de habitação social nas zonas mais pobres de Baltimore, num
novo tipo de segregação. Esta semana, Freddie Gray, um jovem negro, foi morto
por polícias brancos. Em Baltimore. O rapaz desta fotografia foi para a rua
protestar. Ele tem 20 anos e os avós ainda se lembram de tudo. @ PÚBLICO
Sem comentários:
Enviar um comentário