Hoje, o rosto da escola que damos a conhecer é o de Isabel Garção, docente de História.
O CRESCER quis saber a sua opinião sobre o futuro das gerações mais jovens, a sua ligação ao ensino profissional, o seu gosto pelas viagens e como chegou à docência da História.
Como vê o futuro das gerações
mais jovens (o CRESCER leu o seu comentário feito na entrevista do professor António Leite)?
Há coisas que o António diz que eu acho que são inteiramente
verdade, como a possibilidade que esta geração tem de sair do país e que a minha geração não teve (eu fui a primeira vez a Lisboa com dezoito anos). Esta oportunidade fornece-lhes
horizontes muitíssimo mais vastos que os nossos, mas
não considero que as
gerações mais jovens possam ser as mais felizes, porque têm dificuldade em
obter um trabalho estável e não podem organizar a vida em termos de construir o
seu cantinho e conseguir nele ficar, como a minha geração conseguiu.
Apesar de tudo, a minha geração foi uma geração feliz. Eu, por exemplo, com
vinte e poucos anos já tinha uma situação profissional vinculada com o Estado e
pude organizar, de certa forma, a minha vida. Tinha a expectativa que com o
passar dos anos estaria cada vez melhor financeiramente, algo que hoje não
acontece com os jovens. As pessoas não sabem o que esperar, se vão ou não ter
trabalho e, mesmo quando o têm, é, muitas vezes, precário. Não existe
assistência médica e têm de fazer seguros de saúde. Não ganham nas férias. A
minha nora, por exemplo, teve uma bebé e viu-se obrigada a ir trabalhar ao fim
de relativamente pouco tempo porque não tinha os direitos que tem uma grávida com
contrato. Portanto, é nessa perspetiva que eu não concordo com o António Leite.
Acho que é a primeira vez na história que uma geração tem tão poucas
expectativas de felicidade. A felicidade plena nunca se encontra,
mas eu tive estabilidade, consegui organizar a minha vida familiar, ter
a minha casa e ter esperança de que as coisas iam correr bem. Custa-me vê-los,
sobretudo aqueles que trabalharam e se esforçaram, a não terem expectativas de
fazer e mostrar aquilo que foi o seu trabalho e aprendizagem. É extremamente
revoltante. Não tenho a mentalidade de admitir que tudo é provisório, aliás, se eu tivesse
essa mentalidade, sofreria muito por estes jovens, pelo meu filho, pela minha
nora, pela minha neta.
Pode falar um pouco da sua ligação ao Ensino Profissional?
Apesar de se ter uniformizado o ensino no 25 de abril, hoje
repensamos e percebemos que também se cometeram erros, como extinguir o Ensino
Técnico. Na verdade, se um aluno quer algo mais prático, porque não há de
começar a trabalhar numa coisa mais vocacionada, através de um curso técnico e
profissional?
Já trabalho há muitos anos no Ensino Profissional. Comecei
numa escola profissional muito pequenina, ligada à Moda, da qual tenho as
melhores recordações. Depois acabei por me voltar a ligar a este tipo de ensino
quando abriu nesta escola, mas aqui é tudo muito diferente. Na escola onde
comecei, conhecíamos os alunos todos, portanto a proximidade entre estes, os
professores e a própria instituição era muito grande, o que não quer dizer que
não houvesse problemas, porque havia. Eu gosto de estar no Ensino Profissional
e acho que os que optam por este tipo de ensino têm de ter uma oportunidade e
devemos prepará-los no sentido de perceberem o que é o mundo do trabalho. Tenho
muitos casos no Curso Profissional de Turismo, ao que estou ligada, de sucesso mas também há casos de insucesso. Os casos de sucesso são aqueles que me dão mais gozo.
São alunos que, apesar de não terem sido brilhantes, hoje trabalham em
companhias de cruzeiros e em hotéis e até já deram a volta ao mundo. Outros enveredaram
no ensino superior e estão a seguir carreiras de técnicos superiores nesta
mesma área. São eles que tornam o trabalho prazeiroso e tenho muito gosto em
seguir os seus percursos. O que considero dever ressalvar é que quando vêm para o ensino
profissional não devem vir para passear mas para trabalhar, porque o mundo profissional
é exigentíssimo e o choque é enorme. Eles têm uma carga horária muito pesada,
não levam, portanto, trabalhos para casa mas a sala de aula tem de ser um espaço
de trabalho, pelo que nós, professores, lhes fornecemos muitos materiais para que
possam nela trabalhar. Inclusivamente, esses alunos têm
um privilégio enorme: têm um financiamento, dado pelo Fundo Social Europeu e
pelo próprio Estado português, tal que não pagam livros, nem visitas de estudo,
nem alimentação e têm subsídios de alimentação e transporte quando vão fazer
estágios, ou seja, têm uma série de benefícios. E revolta-me, mesmo muito, que
pessoas que têm esses apoios brinquem e gozem com quem quer trabalhar. Fico
completamente triste e desanimada. Chego muitas vezes a pensar que esses alunos
deviam indemnizar o Estado pelo facto de ter sido feito um investimento
que não aproveitaram. Tira-me do sério ver pessoas com competências recusarem trabalhar.
O que é facto é que os alunos que têm dificuldades têm muito apoio. Eu faço mais fichas, sento-me
à beira deles e ajudo-os até conseguirem fazer o que lhes é solicitado autonomamente.
Apesar de terem mais dificuldades a chegar lá, chegam, porque têm realmente
vontade.
O CRESCER sabe do seu gosto por viagens...
Quando eu entrei na faculdade, arranjei emprego numa agência
de viagens e trabalhei a acompanhar grupos. Foi uma oportunidade fantástica.
Acompanhei turistas em muitas viagens, sobretudo pela Europa. E abriu-se-me este
mundo. Depois, quando casei com o César, fomos dois a querer conhecer mundo.
Não tínhamos possibilidades económicas de o fazer através de agências e,
portanto, começamos a viajar autonomamente. Ganhamos esse gosto e é realmente
uma oportunidade extraordinária.
Costumo dizer que gosto de vir cansada das viagens e ninguém
me diga que as viagens são para descansar. São, aliás, para ficarmos muito cansados
e fazermos, depois, férias das viagens. Nós, efetivamente, queremos conhecer o
mundo para onde vamos e, então, caminhamos, caminhamos e caminhamos.
Sacrificamo-nos, em termos monetários, por causa dos custos controlados, pelo que
se cozinha qualquer coisa para comer, dorme-se, muitas vezes, em piores
condições do que aquelas que temos em casa, mas, como se pretende
conhecer, não faz mal. Eu falo muito mal inglês e gosto muito de ir para países
onde consigo conversar com as pessoas, algo que acho essencial, porque se
formos ver os países só pelos olhos do turista, não ficamos a conhecer
verdadeiramente o sítio. Temos de conseguir estabelecer contacto com as
pessoas, conseguir conversar com elas, conseguir que nos contem as suas
histórias e, às tantas, até partilhar algumas das nossas.
Há uma viagem que me marcou particularmente. Eu gosto muito
da América do Sul por causa do castelhano e adorei a Bolívia, onde fui quase por
acidente. É duma autenticidade pura. É um país que ainda não tem o turismo
muito desenvolvido e, como tal, ainda não é escravo do turista nem do turismo.
As pessoas funcionam ainda sem estar com a preocupação de agradar ao turista.
Então, são genuínas.
Eu queria seguir Artes e não História. O meu pai era
escultor e vivi desde pequena muito ligada às artes. Acompanhava-o à escola
onde era professor e lembro-me, por exemplo, de ir com ele às aulas do curso de
formação feminina e ver os trabalhos maravilhosos que as alunas faziam. O meu
pai gostava muito de música, de literatura, de cinema, de modo que eu fui muito
habituada a lidar com a arte. Porém, quando era estudante e cheguei ao quinto
ano de liceu, queria ir para a escola Soares dos Reis e a minha mãe não me deixou
porque achou que o ensino técnico e profissional não era para uma menina e
obrigou-me a continuar no liceu até ao fim do secundário. Como não era boa aluna
na área das ciências e não havia área de artes no liceu, segui uma que tinha
mais que ver com Ciências Sociais e Humanas e acabei por ir para História por
isso. Um bocado por acidente. Se fosse hoje, eu acho que não ia, porque me
angustia muito o facto de o Homem não aprender com os erros. Agora, espera-me a
reforma e a hipótese de um dia fazer algumas coisinhas manuais, talvez numa universidade
sénior.
Ana Pinto e Rita Almeida
1 comentário:
Entendo-te Isabel mas recrimino, no coletivo, a nossa geração pelo falhanço dos sonhos que todos sonhamos para os nossos filhos. O nosso mundo sonhado, e na altura eramos tão poucos o que tinham acesso aos sonhos, criou e alimentou a ideia de um mundo melhor.Tantas horas no café em acesas discussões alimentando ideais... valeu a pena?
Os moços e as moças agora, não sonham, vivem ou sobrevivem de uma herança complicada. Eu talvez não conseguisse ser feliz assim...eles não têm hipotese. Quero acreditar que vão ser felizes. Tenho de acreditar que verei os netos crescer ao pé de mim.
Viajar é tudo o que dizes embora eu seja mais "bourgeois" na forma do ir...a viagem perfeita é toda aquela que nos cansa fisicamente e nos desassossega a alma.
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