O CRESCER regressa à rubrica "as escolhas de..." à sexta-feira.
Hoje, o rosto da escola que damos a conhecer é o de António Leite, docente de Geografia.
O CRESCER quis conhecer o seu gosto por viagens, o que pensa do atual sistema educativo e o que espera das gerações futuras.
Fale-nos um pouco das suas viagens...
Viajo muito, não fosse eu de
Geografia. No entanto, há um mito que tenho de desconstruir: não há viagens que
marcam e que não marcam, todas marcam por diversos motivos. Isto porque são
feitas a sítios diferentes, em idades diferentes e até em momentos diferentes
da nossa vida. Uma viagem é sempre uma descoberta, mesmo quando se viaja para
um sítio por nós já visitado. As sensações são sempre desiguais porque vemos
coisas diferentes e, como tal, percecionamos a realidade de forma também
diferente. Há, realmente, sítios que pela própria diferença cultural marcam
sempre mais, como a Índia.
rio Ganges |
Digo muitas vezes, em tom de brincadeira, que gostaria de
levar os meus alunos para lá e, assim, deixavam-se de queixar de muita coisa. De facto, uma viagem à Índia marca indescritivelmente. Já tinha mais de quarenta anos
quando lá fui e acho que, mesmo assim, não estava preparado para fazer essa
viagem, de tal modo que nunca mais consegui voltar, nem sei se voltarei.
praga de gafanhotos |
Para além disto, como geógrafo, vi
tudo o que queria ver. Nunca tinha visto, por exemplo, uma praga de gafanhotos até
então. Elejo, sem dúvida, a Índia por tudo de belo que tem e pela outra face da
moeda que só estando lá se consegue ver. Mas o confronto é muito violento.
O que pensa do atual sistema educativo?
O sistema educativo e nós, professores, tentamos cumprir os programas, as
matérias, os exames e tudo está muito definido, o que é legítimo e tem o seu
valor, mas eu acho que a Escola tem de acrescentar um bocadinho mais que isso.
Os professores são muito conformados (vão odiar-me!), estão muito
preocupados com a matéria que falta dar, mas os alunos não vão reter muito do
que aprenderam. A Escola tem de ser um bocado provocatória e, às vezes, tento,
na medida do possível, mostrar que o rei vai nu, isto é, que há mais para além
disto. A Escola tem de fazer pensar os alunos. Digo aos meus alunos, muitas
vezes a brincar, que não estou aqui para ensinar nada, mas para criar dúvidas,
algo que eles vêm a perceber, geralmente, mais tarde. É preciso desconstruir
para que o ensino não se torne uma doutrina. Aliás, que margem de liberdade
criativa tem um aluno? E que liberdade tem para se questionar? Acho, por exemplo, que
os alunos de Humanidades deviam ter uma disciplina de Ciências e vice versa,
para que se completassem enquanto cidadãos no sentido em que talvez falte aos
primeiros um espaço de racionalidade e aos outros um espaço de autonomia
criativa.
Eu sou provocador com os meus
alunos do 12º ano porque tenho liberdade, até crítica, de o ser. Mas no 11º ano
tenho de ser diferente, porque os meninos têm de tirar boas notas. Eu sou livre
quando posso ser, aliás, todos nós somos livres quando podemos ser, até porque
não queremos prejudicar o sucesso escolar dos nossos alunos, que é fundamental.
O que espera
das gerações que leciona?
Não há mais diferença entre a minha
geração e a geração dos alunos que leciono e a minha e a dos meus pais,
portanto, os alunos não são a geração terrible.
Na verdade, até é saudável que haja conflito geracional. Há, no entanto, um
problema grave, culpa nossa que protegemos demasiado: os alunos, não todos, com
certeza, ainda não aprenderam a lidar com a frustração, daí que tenham uma
consciência do mundo muito soft.
Serão, claramente, uma geração mais qualificada, mais descontraída, com menos
preconceitos e mais espaços de liberdade, coisas que até se podem confundir, às
vezes, com um certo egoísmo. Mas, objetivamente, fazem menos juízos de valor,
são muito mais abertos à mudança, têm um domínio tecnológico brutal, vão querer
viver de maneira diferente. A minha geração comprou casa e mobília, eles vão
alugar, vão ao IKEA, vão querer viajar mais porque Londres "é já ali" e o mundo é
grande e vão-se preocupar muito menos, talvez nem tentem amealhar, como nós,
que quisemos comprar casa e mudar as cortinas. Acho que eles hão de ser muito
mais felizes.
Apesar destas grandes virtudes, não
são muito politizados, no sentido em que não abraçam causas. Daí que ache que
tenham pouco conhecimento do mundo real e diário. A Escola falhou, mas também
deu outra parte muito importante. No entanto, é preciso que os alunos recebam abanões (coisa que os
alunos dos cursos profissionais têm, uma vez que sentem um
cheirinho da vida fora do mundo escolar).
Os conflitos geracionais existem desde que há mundo e são muito bons e, na verdade, esta geração vai ser mais livre, mais capaz e mais feliz, desde que não tente copiar o modelo da anterior.
Os conflitos geracionais existem desde que há mundo e são muito bons e, na verdade, esta geração vai ser mais livre, mais capaz e mais feliz, desde que não tente copiar o modelo da anterior.
Ana Pinto e Rita Almeida
5 comentários:
Adorei esta pequena entrevista!
O meu querido António com uma entrevista linda e que mostra bem o seu perfil.
Muito interessante "as escolhas" de António Leite, como seria de esperar.
Muito interessante "as escolhas" de António Leite, como seria de esperar.
Adorei a visão geográfica das "Viagens". Sábia opinião sobre o Sistema Educativo e os "Conflitos Geracionais". Abraço!
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