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sexta-feira, 6 de maio de 2016

as escolhas de...

O CRESCER regressa à rubrica "as escolhas de..." à sexta-feira. 





Hoje, o rosto da escola que damos a conhecer é o de António Leite, docente de Geografia.

O CRESCER quis conhecer o seu gosto por viagens, o que pensa do atual sistema educativo e o que espera das gerações futuras.




Fale-nos um pouco das suas viagens...
Viajo muito, não fosse eu de Geografia. No entanto, há um mito que tenho de desconstruir: não há viagens que marcam e que não marcam, todas marcam por diversos motivos. Isto porque são feitas a sítios diferentes, em idades diferentes e até em momentos diferentes da nossa vida. Uma viagem é sempre uma descoberta, mesmo quando se viaja para um sítio por nós já visitado. As sensações são sempre desiguais porque vemos coisas diferentes e, como tal, percecionamos a realidade de forma também diferente. Há, realmente, sítios que pela própria diferença cultural marcam sempre mais, como a Índia.
rio Ganges
Digo muitas vezes, em tom de brincadeira, que gostaria de levar os meus alunos para lá e, assim, deixavam-se de queixar de muita coisa. De facto, uma viagem à Índia marca indescritivelmente. Já tinha mais de quarenta anos quando lá fui e acho que, mesmo assim, não estava preparado para fazer essa viagem, de tal modo que nunca mais consegui voltar, nem sei se voltarei. 
praga de gafanhotos
Vemos documentários, mas a televisão, tal como a fotografia, são artes incompletas. Falta-lhes o cheiro, a cor, a sensação… A Índia é sufocante e a miséria tem um cheiro que não sei bem explicar, é como se cheirasse a caril e até as cores fantásticas são sujas. Ninguém vem da Índia indiferente. A viagem é sempre algo que é muito partilhado. Costumo viajar com a minha filha mais velha e, na altura, não a levei e arrependi-me imenso porque, apesar de ela não estar preparada, acho que lhe neguei algo que seria uma lição fantástica. Há destinos no mundo que são verdadeiras gaiolas douradas. Entra-se lá e somos príncipes que comem tudo e fazem tudo, mas, depois, pomos um pé fora da gaiola e a realidade é completamente diferente. Na Índia basta pôr um pé de fora e tudo corre mal, vê-se a realidade.
Para além disto, como geógrafo, vi tudo o que queria ver. Nunca tinha visto, por exemplo, uma praga de gafanhotos até então. Elejo, sem dúvida, a Índia por tudo de belo que tem e pela outra face da moeda que só estando lá se consegue ver. Mas o confronto é muito violento.

O que pensa do atual sistema educativo?
O sistema educativo e nós, professores, tentamos cumprir os programas, as matérias, os exames e tudo está muito definido, o que é legítimo e tem o seu valor, mas eu acho que a Escola tem de acrescentar um bocadinho mais que isso. Os professores são muito conformados (vão odiar-me!), estão muito preocupados com a matéria que falta dar, mas os alunos não vão reter muito do que aprenderam. A Escola tem de ser um bocado provocatória e, às vezes, tento, na medida do possível, mostrar que o rei vai nu, isto é, que há mais para além disto. A Escola tem de fazer pensar os alunos. Digo aos meus alunos, muitas vezes a brincar, que não estou aqui para ensinar nada, mas para criar dúvidas, algo que eles vêm a perceber, geralmente, mais tarde. É preciso desconstruir para que o ensino não se torne uma doutrina. Aliás, que margem de liberdade criativa tem um aluno? E que liberdade tem para se questionar? Acho, por exemplo, que os alunos de Humanidades deviam ter uma disciplina de Ciências e vice versa, para que se completassem enquanto cidadãos no sentido em que talvez falte aos primeiros um espaço de racionalidade e aos outros um espaço de autonomia criativa.
Eu sou provocador com os meus alunos do 12º ano porque tenho liberdade, até crítica, de o ser. Mas no 11º ano tenho de ser diferente, porque os meninos têm de tirar boas notas. Eu sou livre quando posso ser, aliás, todos nós somos livres quando podemos ser, até porque não queremos prejudicar o sucesso escolar dos nossos alunos, que é fundamental.

 O que espera das gerações que leciona? 
Não há mais diferença entre a minha geração e a geração dos alunos que leciono e a minha e a dos meus pais, portanto, os alunos não são a geração terrible. Na verdade, até é saudável que haja conflito geracional. Há, no entanto, um problema grave, culpa nossa que protegemos demasiado: os alunos, não todos, com certeza, ainda não aprenderam a lidar com a frustração, daí que tenham uma consciência do mundo muito soft. Serão, claramente, uma geração mais qualificada, mais descontraída, com menos preconceitos e mais espaços de liberdade, coisas que até se podem confundir, às vezes, com um certo egoísmo. Mas, objetivamente, fazem menos juízos de valor, são muito mais abertos à mudança, têm um domínio tecnológico brutal, vão querer viver de maneira diferente. A minha geração comprou casa e mobília, eles vão alugar, vão ao IKEA, vão querer viajar mais porque Londres "é já ali" e o mundo é grande e vão-se preocupar muito menos, talvez nem tentem amealhar, como nós, que quisemos comprar casa e mudar as cortinas. Acho que eles hão de ser muito mais felizes.
Apesar destas grandes virtudes, não são muito politizados, no sentido em que não abraçam causas. Daí que ache que tenham pouco conhecimento do mundo real e diário. A Escola falhou, mas também deu outra parte muito importante. No entanto, é preciso que os alunos recebam abanões (coisa que os alunos dos cursos profissionais têm, uma vez que sentem um cheirinho da vida fora do mundo escolar). 
Os conflitos geracionais existem desde que há mundo e são muito bons e, na verdade, esta geração vai ser mais livre, mais capaz e mais feliz, desde que não tente copiar o modelo da anterior.

Ana Pinto e Rita Almeida

5 comentários:

Nídia disse...

Adorei esta pequena entrevista!

Unknown disse...

O meu querido António com uma entrevista linda e que mostra bem o seu perfil.

AR disse...

Muito interessante "as escolhas" de António Leite, como seria de esperar.

AR disse...

Muito interessante "as escolhas" de António Leite, como seria de esperar.

Armando Cubal disse...

Adorei a visão geográfica das "Viagens". Sábia opinião sobre o Sistema Educativo e os "Conflitos Geracionais". Abraço!