"O problema dos professores", por Inês Teotónio Pereira*
O maior problema dos professores é que ninguém percebe o problema dos professores. Ninguém entende a manta de retalhos que é a legislação que regula a carreira docente. A mobilidade, a vinculação, os escalões, os modelos de colocação, a contagem do tempo de serviço, enfim, o "regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente". A única coisa que o comum dos mortais percebe é que os professores reivindicam aumentos salariais e queixam-se do excesso de burocracia. É tanta a papelada e são precisas tantas justificações, que devem ser meia dúzia os professores que têm coragem de dar más notas aos alunos. E mesmo esses, não têm tempo.
Depois, chegam-nos a casa reportagens de docentes que andam com a casa às costas, que não progridem na carreira desde o tempo da Maria Cachucha e que já não conseguem ouvir mais promessas, o Mário Nogueira, alunos e pais. É por tudo isto que de vez em quando os professores perdem a paciência e o país para. E não há quem não seja solidário, apesar de ser difícil perceber a problemática do fim das vagas de acesso aos 5.o e 7.o escalões. Mas não se pergunta pelo 6.o escalão e é do consenso geral que, na dúvida, os professores têm sempre razão. Foi assim que fomos educados.
A vida dos professores demorou décadas a estragar-se. Foi um trabalho de chinês, paciente e doloroso. Primeiro, delegou-se num comunista as reivindicações salariais e o fabrico de uma camisa de forças legislativa que ninguém consegue desatar. Crescemos e envelhecemos todos com Mário Nogueira a deitar abaixo ministros, uns atrás dos outros, a encetar para radicalizar "as vias de diálogo" ao mesmo tempo que convocava os professores "para a rua" e encerrava as escolas no seguimento da "luta" contra os vários governos, que tremiam cada vez que ele dava a primeira conferência de imprensa de boas vindas ao novo ministro. Para quê? "Em defesa da escola pública." Sempre em defesa dos professores e da escola pública. O que seria de uns e de outros sem estas lutas e sem tanta rua? Nunca saberemos.
Além de Mário Nogueira a tratar-lhes da carreira, os professores tiveram pais e alunos e dar-lhes conta do juízo. A autoridade do professor passou de moda e ensinar deixou de ser a sua principal tarefa. A justificação da negativa, da participação disciplinar, a reunião do conselho de turma e outras que implicam processos e burocracias, tomaram conta dos horários que deviam ser quase todos letivos. É preciso justificar tudo, ou há chatices. E perante esta espada implacável das "chatices", justifica-se.
Como manter disciplina, atenção, a dedicação dos alunos, sem instrumentos? Como conseguir responder a tantas turmas devido à escassez de professores, acumular trabalho burocrático com o letivo e ainda ensinar com gosto e dedicação? Não sabemos.
O que sabemos é que os alunos que podem fogem para escolas privadas e que são cada vez menos os que escolhem a carreira de docente. Já ninguém quer ser professor quando for grande. E porquê? Porque a ruína da dita "escola pública" está em marcha acelerada - e começou quando se arruinou a carreira docente.
Ensinar é uma arte e a docência é uma das mais nobres profissões. Quando se trata professores como meros funcionários administrativos, o resultado é a transformação das escolas em repartições públicas e os alunos em utentes.
No fundo é apenas isto que os professores reivindicam: respeito e decência. Por eles e por nós.
*Inês Teotónio Pereira, jurista, @ Dinheiro Vivo, 03/03/2023
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