JP Simões
LER
Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me
deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os
mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado
no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre
generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo
um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas
de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas. As dobras, e as cores do
chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas
como o amor. Falar duma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também,
retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos,
é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo a natureza
integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra,
orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude
e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno. Bem sei
que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum
perfil. Lá está o exemplo de Miguel Angelo a demonstrá-lo. Mas eu, não. Eu declaro
aqui a estas fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro,
mais gracioso, mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no
alto das penedias da Calcedónia, no Gerez. Roma, Paris, Florença, Beethoven,
Cervantes, Shakespeare... Palavra, que não troco por tudo isso o rasgão mais
humilde da tua estamenha, Mãe!
Miguel Torga, in "Diário (1942)
VER
O ESPELHO de Zerkalo (1975)
O filme é a biografia do próprio realizador Andreï Tarkovski. Saltando para a frente e para trás no espaço e no tempo, passando de visualizações objectivas para subjectivas e, introduzindo sequências oníricas, este filme é uma reflexão “multi-espelhada” da memória do autor-realizador.
O filme é a biografia do próprio realizador Andreï Tarkovski. Saltando para a frente e para trás no espaço e no tempo, passando de visualizações objectivas para subjectivas e, introduzindo sequências oníricas, este filme é uma reflexão “multi-espelhada” da memória do autor-realizador.
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