O nevoeiro era tão cerrado que a iluminação dos candeeiros formava,
espaçadamente, halos de luz que parcamente chegavam ao chão da rua.
Mesmo assim, foi possível ver surgir um gato, que me pareceu
listado, de cauda levantada, com o andar bamboleante no halo de luz mais
próximo. O gato parou um bocado, olhou para cima na minha direção, esboçou um
sorriso enigmático, virou a cara e continuou, indiferente ao meu olhar curioso,
com o mesmo andar compassado, até desaparecer na escuridão. Procurei no halo de
luz seguinte: não apareceu. Surgiu, sim, no halo mais adiante, com o mesmo andar
até desaparecer de novo na escuridão. Voltei a vislumbrá-lo no halo seguinte,
agora com dificuldade acrescida, dada a maior distância. Pareceu-me que parou e
que olhou na minha direção. Terá voltado a sorrir?
O que teria acontecido ao gato nos intervalos de luz? Somos
levados a acreditar, por ser mais fácil e mais cómodo, que nada se teria
passado além do seu andar bamboleante. Mas quem tem a certeza disso? Este gato,
como se vê, tem comportamentos muito inesperados.
Que gato seria este? Não encontrei a resposta, mas foi um
assunto que me acompanhou quando tentava compreender o comportamento dos
eletrões nos átomos.
De início parecia que os eletrões rodeavam, em órbitas, tal
como os planetas em torno do Sol, o núcleo. Assim o afirmava Rutherford. Mas a
realidade nunca é o que parece. Depressa se concluiu que assim não poderia ser, porque a física previa que, no seu movimento, os eletrões seriam uma fonte de
luz que, lembram-se, é energia. Os eletrões estariam constantemente a perder
energia de modo que acabariam por se aproximar do núcleo até que,
irremediavelmente, nele embatiam, dando-se o colapso do átomo. Como toda a
matéria é constituída por núcleos e respetivos eletrões, toda a matéria estaria,
assim, condenada a um rápido colapso.
A solução deste imbróglio foi proposta, primeiro por Niels
Bohr e depois, mais sustentadamente, reforçada por Heisenberg.
Sim, Bohr explicou que os eletrões rodam em torno do núcleo
apenas em órbitas permitidas e, nessas, não emitem energia. Para passar de uma
para outra, tal como o gato que vi, desaparece numa, puf ..., e surgem, logo de
seguida, noutra órbita mais afastada. Nesse processo emitem luz. O que acontece
em permeio? Não há resposta certa.
Heisenberg acrescentou. Os eletrões, aquelas bolinhas
pequeníssimas de carga elétrica negativa, também são ondas. Por isso, como
qualquer uma, não são localizáveis. Não têm limites definidos, espalham-se no
espaço.
Mas, como é que uma bola, que pode ser localizável, também
pode ser uma onda? Como é possível?
Ao tentar entender a natureza dos eletrões apenas me lembrava
do sorriso enigmático do gato quando olhou para mim.
Sérgio Viana, professor
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa
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