A livraria da Praça Carlos Alberto deu os primeiros passos na Rua da Maternidade, no seio da "República 24 de Março". Antes de 1974, recebia livros proibidos.
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A Unicepe começou há 50 anos e tem origem numa república de estudantes na Rua da Maternidade. Fotos: Cláudia Silva |
Foi há 50 anos que “um grupo de jovens, para ter condições mais económicas para viver no Porto, criou uma república” na cidade. É na “República 24 de Março”, uma residência de estudantes que chegavam de outros pontos do país para estudar na Universidade e “um local de reunião e troca de ideias”, que tem a sua génese a livraria Unicepe.
De nome completo Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL, a Unicepe, no primeiro andar do número 128 da Praça Carlos Alberto, no Porto, foi criada poucos meses depois desses “primeiros passos foram informais”, conta o presidente da direcção, Rui Vaz Pinto. Esta terça-feira, comemora o seu aniversário,
“A ideia” da república de estudantes, “nasceu a 24 de Março de 1963, daí o nome”, explica o economista reformado, de 65 anos, e que contactou pela primeira vez com a Unicepe quando tinha “17 anos”. Ficava na Rua da Maternidade.
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Rui Vaz Pinto tinha 17 anos quando contactou pela primeira vez com a livraria Unicepe.
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Sobre o grupo de 11 que criou a cooperativa, Rui recorda que eram “jovens já muito conscientes politicamente”. A 19 de Novembro de 1963, os estudantes – na sua maioria deslocados – criaram então a Unicepe, com “o objectivo de ter livros mais baratos, ter livros que não havia à venda – arranjavam esquemas variadíssimos; havia imigrandes que traziam livros escondidos, por exemplo – e fazer encontros com escritores e artistas”.
Um destes jovens era Zeferino Coelho. O editor de José Saramago é o 11.º sócio da Unicepe. “Nasceu aqui como homem ligado ao livro”, sublinha Rui Vaz Pinto.
“Quando eles fizeram a república, eu só tinha 15 anos, era estudante em Gaia. Só quando comecei a trabalhar no ano seguinte, com 16 anos, é que soube da Unicepe. Estava mesmo aqui ao lado, na Rua de Ceuta”, recorda o presidente da direcção da livraria.Nesses primeiros tempos, a Unicepe ainda teve outra casa. Da Rua da Maternidade, mudou-se para a José Falcão e depois, então, para a Praça Carlos Alberto, onde se encontra “há uns 48 anos”.
Embora se chamasse “Cooperativa Livreira de Estudantes”, a Unicepe sempre esteve “aberta a qualquer pessoa”. A livraria tem hoje 7.292 associados, 3.810 dos quais chegaram à Unicepe antes do 25 de Abril de 1974.
A PIDE vinha às reuniões
Antes da Revolução dos Cravos, a Unicepe foi seguida de perto pela PIDE. A polícia política tinha um processo “de 67 páginas” sobre a livraria, que hoje está na Torre do Tombo, e enviava elementos que se infiltravam nas reuniões da Unicepe.
“Faziam-se passar por estudantes. A princípio não desconfiávamos, porque estávamos numa fase de crescimento de associados, mas depois acabávamos por perceber”.
“Quando os Lobos Uivam”, de Aquilino Ribeiro, “As Cartas Portuguesas”, de Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno, e “Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”, de Natália Correia, são alguns dos títulos que Rui Vaz Pinto se lembra de serem “proibidos”.
Mas, diz, “a lista era infindável”. “[Karl] Marx e Lenine eram proibidíssimos”.
Rui Vaz Pinto recorda-se de, uma vez, o grupo da Unicepe esperar Jean-Marie Domenach no Cineclube do Porto e de ouvir a notícia de o escritor e intelectual ter ficado retido no aeroporto de Lisboa. “Não o tinham deixado sair do aeroporto. E no mês seguinte não deixaram entrar em Portugal o número seguinte da revista em que ele falava desse episódio”, conta. @ porto24