Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

ainda há quem fale de amor assim

Todos conhecemos Maria José Morgado e o seu marido Saldanha Sanches.
Ela, procuradora geral adjunta. Ele, fiscalista de renome.
Quando ele morreu, ela escreveu um texto que leu na hora da sua cremação. Mais tarde falou dele assim. Vale a pena ver o vídeo e (re)ler o texto.



Homenagem póstuma ao marido
Saldanha Sanches
Zé Luís: começámos esta tua última viagem (tu gostavas de viagens) na cama 56 dos serviços de cirurgia 1 do Hospital de Santa Maria. Lia-te poesia e um dia parámos neste poema da Sophia de Mello Breyner: ”Apesar das ruínas e da morte, Onde sempre acabou cada ilusão, A Força dos teus sonhos é tão forte, Que tudo renasce a exaltação E nunca as minhas mãos ficam vazias”.
Assim foi.

No teu visionário e intenso mundo, a voracidade de um cancro traiçoeiro não te consumiu a alegria, a coragem, a liberdade.
Entraste pela morte dentro de olhos abertos. O mundo que habitavas era rico de ideias, de sonhos, de projectos, de honradez e carinho.

Percebemos o que ia acontecer quando no fundo do teu olhar sorridente brilhava uma estrela de tristeza. Quando te deixava ao fim do dia na cama 56 e te trazia no coração enquanto descia a Alameda da Cidade Universitária a respirar o teu ar da Universidade, das aulas e dos alunos que adoravas, do futuro em que acreditavas sempre.Foste intolerável com a corrupção, com os cobardes e oportunistas. Não suportavas facilidades. Resististe à sordidez, à subserviência, à canalhice disfarçada de respeitabilidade e morreste como sempre viveste – livre.

Uma palavra para aqueles que te acompanharam nesta última viagem: para os melhores médicos do mundo, para as melhores equipas de enfermagem e de apoio, num exemplo de inexcedível dedicação ao serviço médico público. Vivi com emoção diária o carinho com que te cuidaram.

Uma palavra de gratidão sentida para o Professor Luís Costa e para o Paulo Costa. E para um velho amigo de sempre, o Miguel.
Também para Laura e para o Jorge e para a minha mãe e toda a família que nunca te deixou.

Por fim uma palavra para aqueles amigos que inventaram uma barricada contra a morte no serviço de cirurgia 1, cama 56, e te ajudaram a escrever, a pensar, a continuar a trabalhar: o João Gama, o João Pereira e senhor Albuquerque, cada um à sua maneira.

Suspiraste nos meus braços pela última vez cerca da 1,15 da madrugada do dia 14 de Maio.

Vai faltar-me a tua mão a agarrar na minha enquanto passeávamos e conversávamos.

Provavelmente uma saudade ridícula, perante a força do exemplo e da obra que nos deixaste e me foi trazido por todos aqueles que te homenagearam – a quem deixo a tua eterna gratidão.

Tenham a coragem de continuar.

9 comentários:

the girl in the other room disse...

É preciso uma enorme capacidade de amar para falar de Amor assim, aberta e publicamente. Sobretudo tendo em conta a dimensão política e mediática das duas figuras. Afinal, há mais que um José & Pilar. No anonimato, vamos esperar que vivam muitos mais.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
IL disse...

Esta é a melhor forma de homenagear quem parte e quem se ama!

izazevedo disse...

Sublime! O grau mais elevado do amor humano...

Luzia Lemos disse...

A aparente dureza dos rostos "guarda"ternuras insondáveis.
Este é um grande exemplo.
Quem sente, conhece e vive o verdadeiro amor,percebe que a "máscara" esconde sentimentos, ternos, tristes, alegres ou indizivéis!

mc disse...

Há uma fragilidade na voz de Maria José Morgado quando diz "como se não tivesse passado um único dia" que deixa perceber a emoção contida.
A "terceira pessoa" está certamente algures.

MR disse...

É bom verificar que a pureza do amor (tão maduro) emociona tanta gente...
O amor, sempre o amor! É por aí que teremos de ir para passarmos do TER ao SER. Maria José Morgado e Saldanha Sanches sempre se preocuparam com o segundo.

Maria José disse...

Estamos habituados a ler ou a ouvir declarações de amor de gente jovem. Estea, amadurecidas e de gente mediática, surpreendem-nos sempre.
Ainda bem que existem!

Vânia Dias disse...

Obrigada pela partilha.

Que amores assim continuem a dançar no(s) mundo(s) de todos nós.