Stefania Giannini, a mais alta responsável das Nações Unidas para a Educação, diz à TSF que a pandemia vai mudar "o paradoxo da educação" e explica como está a correr o ensino à distância para 1.500 milhões de alunos em todo o mundo.
Quando no final de janeiro a China decidiu prolongar as férias escolares da primavera, poucos podiam imaginar que este seria o primeiro passo para uma revolução no ensino à escala global. Aos poucos, 191 países por todo o planeta foram fechando as escolas e o vírus mudou a vida de mais de 90% dos estudantes de todo o mundo.
À TSF, a diretora-geral adjunta para a educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a italiana Stefania Giannini, diz que o cenário "sem precedentes" pode ser também uma oportunidade para mudar o futuro do ensino.
Em Portugal, o 3º período do ano letivo começou à distância para 2 milhões de alunos. Mas a medida estende-se a mais de 190 países em todo o mundo, afetando 1.600 milhões de estudantes e 60 milhões de professores. A ex-reitora da Universidade de Perugia, em Itália, diz que ser professor nunca foi fácil, "mas hoje é mais desafiante do que nunca".
Também ela em isolamento social, é a partir de casa, em Paris, que Stefania Giannini, vai coordenando uma coligação global para garantir que "ninguém é deixado para trás", em que a Rádio dá uma ajuda e Marcelo Rebelo de Sousa não é esquecido.
Há, neste momento, 191 países com escolas e universidades fechadas. A UNESCO tem acompanhado de perto o encerramento de escolas?
Absolutamente. A UNESCO começou a monitorizar os dados desde o início. Em pouco dias, 300 milhões de crianças deixaram de ir à escola, na China, Itália e em mais alguns países. Mas este número tem vindo a subir e hoje temos 1.600 milhões de alunos em casa, que representam mais de 90% da população estudantil de todo o mundo.
É uma situação sem precedentes que, claro, levanta algumas questões fundamentais a que a UNESCO tem procurado responder.
Quando um país decide encerrar escolas, quais são os riscos que ficam em cima da mesa?
Mais do que riscos, prefiro falar em impactos. Em muitos países, as escolas são dos locais mais seguros, mas são também, muitas vezes, a garantia de uma nutrição apropriada. O fecho das escolas tem, claro, implicações no bem-estar das crianças e das famílias.
Também é preciso garantir a qualidade do ensino, não deixar os mais desfavorecidos para trás e garantir equipamentos que assegurem esta mudança.
Os impactos são muito fortes, mas deixe-me dizer isto: onde vemos um risco, também podemos ver uma oportunidade. Penso que o momento que estamos a viver também serve para fortalecer as ligações entre todos os atores do processo educativo, criar parcerias entre os Governos e sensibilizar para a importância da educação durante a crise e depois dela.
Que desafios identificam?
Há grandes desafios que os países e os Governos enfrentam no imediato. O primeiro é o de mudar (de um dia para o outro) das salas de aulas tradicionais para plataformas de e-learning e continuar a assegurar o ensino. Não é fácil e óbvio em lugar nenhum do mundo.
O segundo é dar aos principais atores do processo, professores e alunos, especialmente os da primária, todas as ferramentas necessárias. Não apenas as infraestruturas e plataformas, mas também aptidões sociais e emocionais para estarem preparados. Para fazerem esta transição com naturalidade, aprenderem e ensinarem num novo contexto sem precedentes e totalmente inesperada. Esta é outra dimensão importante.
Depois há um impacto que nós já começámos a avaliar em vários países, talvez mais relacionado com as desvantagens para alguns segmentos da população estudantil: o que é que significa o fecho das escolas?
Por exemplo, não podermos dar acesso à alimentação. Em muitos casos, a alimentação na escola significa ter acesso diariamente a comida saudável. Este é um aspeto a que estamos atentos, e aqui estou a pensar particularmente nos países subdesenvolvidos onde o vírus está agora a aparecer.
Portanto, há muitas variáveis que temos que levar em conta e é nisto que coligação global para acompanhar o impacto do novo coronavírus, lançada pela UNESCO há quatro semanas, está a trabalhar.
O paradigma da educação pode mudar quando a pandemia acabar?
Penso que sim. Nós falamos muito, pensamos muito em reconstruir o modelo tradicional do ensino e dizemos: "temos de nos atualizar aqui e ali". Portanto, agora que fomos obrigados a mudar de um dia para o outro, podemos aproveitar e finalmente mudar alguma coisa.
Não é apenas sobre usar melhor ou pior as infraestruturas e os equipamentos. É um paradoxo: Quanto mais somos obrigados a mudar-nos das salas de aulas tradicionais, para salas virtuais, mais importante se torna centrar-nos no lado humano, no bem-estar, nas necessidades emocionais e sociais.
É importante atrairmos os jovens e as crianças para o centro da construção do processo educativo, tal como é importante apoiarmos as famílias para além desta crise.
A crise sido muito abordada pela perspetiva dos alunos e das famílias. Mas há também 60 milhões de professores a enfrentar uma nova realidade.
Este é um dos assuntos que a UNESCO - e a coligação global que lidera - vai abordar nos próximos dias com novos dados, novas linhas orientadoras e algumas reflexões que vamos partilhar com a comunidade internacional.
Por agora, posso adiantar que 50% dos professores não estão preparados para uma mudança rápida em direção a um novo modelo de ensino. Dispomos apenas de dados relativos aos países da OCDE, mas penso que quando terminarmos a recolha de informação à escala global os números não devem mudar muito.
Isto significa que ainda há muito trabalho a fazer. Ser professor não é uma tarefa fácil, nunca o foi, mas hoje é mais desafiante do que nunca.
Que cuidados devem ser tidos em conta na hora de reabrir as escolas?
Esse é um aspeto que temos discutido com a coligação global e em que estamos a trabalhar de perto com os nossos parceiros, sobretudo com a Unicef.
Temos de ter em conta alguns princípios básicos. Primeiro apoiar a crianças, porque vai haver um impacto emocional ao entrarmos no que talvez seja o novo normal e isso é algo que nos preocupa.
Outro aspeto prende-se com as famílias. Em particular com os pais que estão em casa ocupados com tarefas domésticas, com teletrabalho e com as crianças a correr à sua volta e a terem aulas à distância.
É um novo contexto aquele em que vamos regressar às escolas e temos que começar a pensar na fase de transição.
Depois, há ainda a questão da avaliação e do acesso ao ensino. É importante que os sistemas escolares possam manter a confiança das famílias, dos alunos, mas também dos professores.
Tem de haver continuidade na aprendizagem, é importante que o ensino mantenha um nível de qualidade alto e não acentue as desigualdades depois desta crise.@TSF
Absolutamente. A UNESCO começou a monitorizar os dados desde o início. Em pouco dias, 300 milhões de crianças deixaram de ir à escola, na China, Itália e em mais alguns países. Mas este número tem vindo a subir e hoje temos 1.600 milhões de alunos em casa, que representam mais de 90% da população estudantil de todo o mundo.
É uma situação sem precedentes que, claro, levanta algumas questões fundamentais a que a UNESCO tem procurado responder.
Quando um país decide encerrar escolas, quais são os riscos que ficam em cima da mesa?
Mais do que riscos, prefiro falar em impactos. Em muitos países, as escolas são dos locais mais seguros, mas são também, muitas vezes, a garantia de uma nutrição apropriada. O fecho das escolas tem, claro, implicações no bem-estar das crianças e das famílias.
Também é preciso garantir a qualidade do ensino, não deixar os mais desfavorecidos para trás e garantir equipamentos que assegurem esta mudança.
Os impactos são muito fortes, mas deixe-me dizer isto: onde vemos um risco, também podemos ver uma oportunidade. Penso que o momento que estamos a viver também serve para fortalecer as ligações entre todos os atores do processo educativo, criar parcerias entre os Governos e sensibilizar para a importância da educação durante a crise e depois dela.
Que desafios identificam?
Há grandes desafios que os países e os Governos enfrentam no imediato. O primeiro é o de mudar (de um dia para o outro) das salas de aulas tradicionais para plataformas de e-learning e continuar a assegurar o ensino. Não é fácil e óbvio em lugar nenhum do mundo.
O segundo é dar aos principais atores do processo, professores e alunos, especialmente os da primária, todas as ferramentas necessárias. Não apenas as infraestruturas e plataformas, mas também aptidões sociais e emocionais para estarem preparados. Para fazerem esta transição com naturalidade, aprenderem e ensinarem num novo contexto sem precedentes e totalmente inesperada. Esta é outra dimensão importante.
Depois há um impacto que nós já começámos a avaliar em vários países, talvez mais relacionado com as desvantagens para alguns segmentos da população estudantil: o que é que significa o fecho das escolas?
Por exemplo, não podermos dar acesso à alimentação. Em muitos casos, a alimentação na escola significa ter acesso diariamente a comida saudável. Este é um aspeto a que estamos atentos, e aqui estou a pensar particularmente nos países subdesenvolvidos onde o vírus está agora a aparecer.
Portanto, há muitas variáveis que temos que levar em conta e é nisto que coligação global para acompanhar o impacto do novo coronavírus, lançada pela UNESCO há quatro semanas, está a trabalhar.
O paradigma da educação pode mudar quando a pandemia acabar?
Penso que sim. Nós falamos muito, pensamos muito em reconstruir o modelo tradicional do ensino e dizemos: "temos de nos atualizar aqui e ali". Portanto, agora que fomos obrigados a mudar de um dia para o outro, podemos aproveitar e finalmente mudar alguma coisa.
Não é apenas sobre usar melhor ou pior as infraestruturas e os equipamentos. É um paradoxo: Quanto mais somos obrigados a mudar-nos das salas de aulas tradicionais, para salas virtuais, mais importante se torna centrar-nos no lado humano, no bem-estar, nas necessidades emocionais e sociais.
É importante atrairmos os jovens e as crianças para o centro da construção do processo educativo, tal como é importante apoiarmos as famílias para além desta crise.
A crise sido muito abordada pela perspetiva dos alunos e das famílias. Mas há também 60 milhões de professores a enfrentar uma nova realidade.
Este é um dos assuntos que a UNESCO - e a coligação global que lidera - vai abordar nos próximos dias com novos dados, novas linhas orientadoras e algumas reflexões que vamos partilhar com a comunidade internacional.
Por agora, posso adiantar que 50% dos professores não estão preparados para uma mudança rápida em direção a um novo modelo de ensino. Dispomos apenas de dados relativos aos países da OCDE, mas penso que quando terminarmos a recolha de informação à escala global os números não devem mudar muito.
Isto significa que ainda há muito trabalho a fazer. Ser professor não é uma tarefa fácil, nunca o foi, mas hoje é mais desafiante do que nunca.
Que cuidados devem ser tidos em conta na hora de reabrir as escolas?
Esse é um aspeto que temos discutido com a coligação global e em que estamos a trabalhar de perto com os nossos parceiros, sobretudo com a Unicef.
Temos de ter em conta alguns princípios básicos. Primeiro apoiar a crianças, porque vai haver um impacto emocional ao entrarmos no que talvez seja o novo normal e isso é algo que nos preocupa.
Outro aspeto prende-se com as famílias. Em particular com os pais que estão em casa ocupados com tarefas domésticas, com teletrabalho e com as crianças a correr à sua volta e a terem aulas à distância.
É um novo contexto aquele em que vamos regressar às escolas e temos que começar a pensar na fase de transição.
Depois, há ainda a questão da avaliação e do acesso ao ensino. É importante que os sistemas escolares possam manter a confiança das famílias, dos alunos, mas também dos professores.
Tem de haver continuidade na aprendizagem, é importante que o ensino mantenha um nível de qualidade alto e não acentue as desigualdades depois desta crise.@TSF
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