Já todos percebemos que este inverno vai ser duro e a campanha para a vacinação gratuita contra o vírus da gripe está a decorrer desde o início do mês de outubro.
Até ao
momento, quando falávamos em vacinar crianças contra a gripe, falávamos em
crianças acima dos 6 meses com fatores de risco identificados, nomeadamente os
doentes crónicos. A possibilidade de vacinar crianças perfeitamente saudáveis,
especialmente no inverno 2020/2021 está relacionada com a suspeita de que será
uma época bem difícil, pela circulação concomitante do vírus influenza e do
SARS-CoV-
Se
em relação ao SARS-CoV-2 já percebemos que as crianças são relativamente
poupadas e não são o principal veículo do contágio da doença, em relação à
gripe sazonal, a realidade é oposta.
Não só as crianças têm uma maior taxa de
ataque da infeção viral quando comparadas com a restante comunidade, como têm
um papel extremamente importante no contágio do agregado familiar e outros
contactos próximos. Por outro lado, as crianças abaixo dos 5 anos e
especialmente abaixo dos 2 anos, mesmo saudáveis, têm um maior risco de
desenvolver sintomas graves com a infeção pelo vírus influenza. O risco de
hospitalização é baixo, mas o consumo de recursos de saúde é muito elevado.
Agora, que está a decorrer a campanha de
vacinação contra o vírus da gripe, gostaria de vos transmitir as recomendações
da Academia Americana de Pediatria, que excecionalmente, este inverno,
recomenda a vacinação de todas as crianças com mais de 6 meses.
Isto gera alguns problemas práticos:
pode não haver vacinas para todos. Estamos a falar de uma vacina que pode ser
adquirida nas farmácias comunitárias, mediante prescrição médica e com uma
comparticipação de 37%. Existem atualmente dois tipos de vacina (ambas tetravalentes
inactivadas), consoante a idade da criança (menos ou mais de 3 anos). Por outro
lado, se a criança for menor que 8 anos de idade e não tiver registo de 2
vacinas contra a gripe em épocas anteriores, há a necessidade de realizar duas
doses, com o intervalo de 4 semanas.
Um vírus entre outubro e dezembro.
Porquê?
Por fim, gostaria de explicar porque é
que, nos climas temperados, como em Portugal, o vírus da gripe chega
habitualmente no período entre outubro e dezembro e porque é que, com o calor
que se faz sentir, o vírus da gripe ainda não está em circulação.
Desde o
império romano que se sabe que a gripe surge no inverno (influenza
di freddo), no entanto, não tínhamos uma profunda compreensão dos
motivos: será que, por ser inverno, fechamos as janelas ao frio e respiramos
mais ar em proximidade uns dos outros, activando o contágio? Será que, por ser
inverno, produzimos menos vitamina D e como tal, temos uma alteração do nosso
sistema imunitário? Será que, por causa do frio, a temperatura corporal baixa,
tornando-nos menos resistentes à infeção viral?
Esta
última razão não é específica do vírus da gripe e é o motivo pelo qual a febre
constitui um mecanismo de defesa inata contra a infeção: ao aumentarmos a
temperatura corporal interferimos com a capacidade de replicação de inúmeros
vírus e bactérias (e não só o vírus da gripe). Talvez a ideia de que andamos
"mal agasalhados" e que apanhámos uma “pontada de ar” frio, que
tantas vezes ouvimos da boca das nossas avós, não esteja assim tão errada.
Felizmente,
devido a alguns estudos feitos em porquinhos da índia em 2007, começámos a
compreender o porquê desta associação. Curiosamente não é um fator do
hospedeiro (ser humano), mas sim um fator do agente infeccioso (o vírus da
gripe): a viabilidade das partículas virais parece ser muito maior, mesmo em
superfícies inertes, quando a temperatura é mais baixa e a humidade se reduz.
Se
o clima frio e seco parece ser um fator indiscutível para o risco de
transmissão em laboratório, fica então por confirmar porque é que, todos os
anos, o vírus da gripe parece chegar a Portugal depois das primeiras chuvadas
de outono.
E como há tanto por saber e nos encontramos num momento único da história , nada como tomar medidas preventivas contra a gripe e contra o contágio de outras doenças virais respiratórias no geral e o SARS-CoV-2 em particular. @ Sapo
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