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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

texto de autor: à Filomena



A Filomena é uma mulher muito bonita. Tem os olhos grandes e fundos de uma cor que nos inunda de esperança. A Filomena tem a boca desenhada e arranja-se como uma senhora de rara elegância. Foca o mundo de frente, como só as mulheres de muito carácter, e isso define-a ainda mais vulcânica a cada imagem que vemos dela. Acho a Filomena admiravelmente bonita, mas preferia nunca a ter conhecido para nunca sequer ousar admirar-lhe as feições. 


16 anos depois de todos nós termos conhecido a Filomena, sabemos que continua a ser bonita mas também conseguimos ver que a vida lhe roubou a expressão. A vida de Filomena tirou-lhe o sorriso e a falta do filho penhorou-lhe a alma.

A exposição de um caso, que Filomena nunca terá sonhado vir a ser mediático, leva-nos, a nós, minúsculos espectadores de um sofrimento inenarrável, a assistir àquilo a que se chama tempo a consumir-lhe peso, conforme lhe leva a energia de uma alma inesgotável de luta.


Admiro tanto a Filomena. A cada imagem que vejo, ela é mais bonita do que na anterior, mesmo que a vida lhe tenha aniquilado a expressão. A cada reportagem que passa, volto a encontrá-la alerta, na convicção de que o amor a leva pelo caminho que nunca teve dúvidas que tinha que continuar a trilhar. Penso no que o tempo significa para esta mulher. O peso do tempo. Os minutos que se lhe mostram mais demorados do que em qualquer um outro relógio de pulso. O pulso dela, firme na esperança, dir-lhe-á que o tempo passa ao ritmo de um batimento cardíaco que não tem maneira de conseguir sossegar por viver no vácuo do que lhe faz falta ao aconchego. A Filomena veio lembrar que continua a querer saber do Rui Pedro, ao avivar a memória dos 27 anos do filho. Surgiu de olhos grandes e fundos da cor que nos inunda de esperança. Apareceu de boca desenhada como uma senhora de rara elegância. Focou o mundo de frente, mais uma vez. Estava mais bonita do que de todas as vezes.

Há uns anos, ouvi o António Lobo Antunes dizer, numa entrevista, uma frase que nunca mais me saiu da memória: “Os pais estão entre nós e a morte”. O Rui Pedro está entre a Filomena e a vida. Seja isso o que quer que seja que lhe continue a dar esperança de ser ainda mais bonita do que aquilo que já é.

1 comentário:

Helena Borges disse...

Maior que a angústia da perda é a angústia de não saber que se perdeu porque esta eiva-a o diabo de esperança.
A minha homenagem à Filomena e à sua extraordinária capacidade de sofrer e de amar.